Oi pessoal,
desculpa a ausência toda.
Numa conversa com um muito-muito-querido-amigo virtual acabou surgindo o formato para uma explicação pelo sumiço dos últimos dias e não deixar todo mundo no vácuo:
É que estive ocupada lembrando de uma parte do meu corpo.
E quando se lembra de alguma parte de seu corpo é porque há algo errado com a tal parte.
Ninguém lembra que tem dedinho no pé se não batê-lo numa quina qualquer. Ninguém lembra que tem baço, rins e fígado até que passe mal de um deles.
No momento estou um tubarão!
Arcadas duplas, cheias de dentes poderosíssimos.
Poderosos só no doer que não ando por aí fazendo uso da força.
Aguardo vaga na dentista ocupadíssima e, para que não se complique (não sei bem o que), tomo remédios que deixam qualquer um meio zoró!! . Tiram a dor, a consciência e a energia. Quase virei um colchão; só fiz ficar deitada nesse período.
Hoje, ajustados os remédios, sem muita dor, com a cabeça sem pensar caracteres impublicáveis, mas ainda meio zoada, retorno ao blog.
E a consulta será só na próxima terça. Aimeudeus!
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Singela
Costumo
dizer que vivemos numa época de potes de geleia, quando tudo tem que ser
catalogado e rotulado.
Somos todos
potes de geleia.
E
fazemos de tudo que vemos e vivemos, outros potes de geleias. Indicadores de referências etiquetados nos vidrinhos.
Olhamos
alguma coisa ou alguém e logo queremos encontrar, muitas vezes por uma análise banal e superficial, um termo que defina como a
acolhemos em nossos registros. Queremos pregar a etiqueta no pote - dos outros e no nosso.
É uma
forma de organizar os arquivos cerebrais, entender o mundo, e ajeitar códigos. Mas temo que seja uma forma bastante
ineficiente dada a nossa pressa em compreender e perceber os fatos, as pessoas
e situações.
De qualquer forma, fazemos essa catalogação, às vezes até inconscientemente.
Mas outras vezes o termo não vem à mente. O sentimento persiste por dias e você lá com a coisa rodando dentro do coração, tentando encaixar.
Outro
dia me perguntaram o que achei de um tal filme.
Respondi: singelo
A amiga questionadora quase infartou.
Singelo?
Como assim, perguntou.
O filme
é doído, realista, verdadeiro e simples. Inocente na forma de contar uma pesada
e triste estória real.
Singelo.
Para mim, esse é o termo que encaixa melhor. Mas ela estranhou a palavra.
Nada a ver com opinião sobre o filme, que cada um tem a sua, claro, e ela nem o viu ainda.
Quando
assisti ao filme em questão, fiquei dias pensando o que ele significou para
mim.
Tem
coisas que pregam na gente e demoram para serem digeridas e incorporadas ao
nosso precário arquivo emocional.
Depois,
fiquei muitos dias mais com a singeleza do filme dentro de mim.
Minha
amiga também ficou muitos dias rindo da minha cara.
Íamos
almoçar e ela perguntava: comida singela, Ma?
Normal. Acabei rindo junto pela estranheza e pela
aplicação inadequada.
O
pessoal acha esquisito e até desconhece a palavra “singela”.
No
dicionário há várias definições e recomendei que ela desse uma olhadinha no
bendito. Não é vergonha para ninguém não conhecer um termo ou não ter uma
definição apurada em mente.
Eu sabia
que não era o caso.
Minha
amiga sabe o significado, mas achou que eu era uma ET qualificando um filme na Terra, num idioma de outro mundo qualquer,
desacertado. Um termo que, como ela mesmo disse, foi “desenterrado”, é antigo.
Uma das
definições de “singela” é: “termo popular para a fêmea que está grávida”.
Grávida
a gente fica enorme, geradora de vida, comilona e dorminhoca. Os animais irracionais também.
O termo
singelo se explica e se aplica para a “prenha” pelo aspecto de “falta de
enfeite”, “simplicidade” – outras definições fornecidas pelos dicionários.
Grávida
você é o que está. Não está enfeitada de
gravidez.
E
singelo é isso: sem enfeites, simples, ingênuo, inocente, sincero, sem ser
composto, sem ser dobrado.
O
sentido do termo é positivo: “belo” na simplicidade, na inocência, na
sinceridade.
Está
certo. Você não vê ninguém recomendando
um filme ao amigo porque o filme é “singelo”.
Talvez
por filme ser uma ação, um movimento, denote um sentido mais agitado do que o
termo singelo indica.
Se for
um filme francês, que os cinéfilos gostam de enquadrar na categoria dos mais
dramáticos do mundo (e se vangloriam por isso), pior ainda.
Não
caberia um singelo nem para um
simplificado letreiro final.
Um filme
singelo, para mim, é aquele sem estereótipos forçados que costumamos ver por
aí: uma personagem má é extremamente má e as boas beiram a santidade. Os heróis são "mega poderosos”.
Ah!
Também é singelo aquele filme que sobra diretor e ator para contarem as estórias
dos bastidores, mesmo em meio a muitas explosões.
Mas
parece que singelo é um termo que não combina com a correria atual, com os
celulares e computadores, com os hologramas, com a ânsia de se ir a Marte, com as trocentas
descobertas científicas, guerras ultra modernas, extremistas religiosos e tudo
mais.
Parece
fora de moda e de contexto.
Vivemos
momento de prazer e concepções imediatos e baratos.
E
singeleza requer um olhar mais demorado e com menos filtros de padronização para ser localizada.
Difícil,
mas possível, manter o olhar atento e a percepção apurada para perceber as singelezas. Elas existem aos montes. Estão salpicadas pela vida afora e encantam a
alma da gente. É só reparar.
A verdade é que tenho que me conformar: singelo é um termo em desuso e sem substituto.
É assim
mesmo.
As
palavras – em qualquer idioma - refletem o que se vive, o que se percebe e,
consequentemente, faz-se o registro do uso ao longo da história.
Já não
percebemos as singelezas que permeiam nossas vidas e assim o vocábulo vai sendo esquecido no uso, embora ainda conste no dicionário.
Vou
tentar, com muito afinco, manter os termos singelo e seus derivados no meu
dicionário, que é para a vida ficar mais simples, bela e ingênua, sem dobras e
enfeites desnecessários.
Mas
parece que “afinco” também está em desuso!
E “desuso”?
Ainda se usa?
*****
E nem ousem pensar em Bandeira
O meu é só brincadeira
carregada de rima
pobre (paupérrima!) só para completar a
besteira
carregada de rima
pobre (paupérrima!) só para completar a
besteira
Butão
Vou-me embora pra Butão.
Serei amiga do rei
Morarei em casa gêmea e colorida
que escolherei(*1)
Vou-me embora pra Butão
Vou-me embora pra Butão.
onde o rei é lúcido e bondoso,
de forma que não sofrerei(*2)
Lá são loucos só de alegria
e doidos de satisfação
Vou-me embora pra Butão.
dançarei os sábados inteiros
e cantarei
o maior índice-de-felicidade(*4)
Quase uma obrigação.
Vou-me embora pra Butão.
Lá não tem propina, gente que finge não saber,
lava jato ou Petrolão.
Vou-me embora pra Butão
- Todas as casas têm o mesmo design interior e exterior, com um
cômodo que serve para quase tudo – quarto, sala, cozinha e o que mais se
quiser - e outro, que é usado para as orações (maioria budista), com altar
esculpido em madeira e encravado na parede.
- “se você nascer num lar totalmente desprovido de recursos pode pedir
ajuda ao rei que ele providenciará uma terra para trabalhar nela” (frase de morador
em entrevista à TV).
- As mulheres costumam dançar ao longo dos sábados enquanto os homens
brincam de arco e flecha. Bebem
cerveja o dia todo.
- “o índice não mede
– obviamente – demonstrações de alegria ou breves momentos de felicidade.
Mas afere a satisfação das pessoas calcada nas condições de vida
oferecidas pelo Estado.” Leia mais
em: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/entenda-como-funciona-o-indice-de-felicidade-do-butao/
Marcela, também quero ser seu amigo, nem precisaria ser assim querido. Aposto que esse cara não curte seus textos como eu. E essa postagem de polígrafa hoje? Que bom que você reapareceu!
ResponderExcluirOlá, Marcela, curto demais seus textos. Parabéns! Também sinto um carinho especial pelas palavras que circulam pouco. Como você sugeriu, acho que conhecer uma palavra nova corresponde a conhecer uma situação, uma qualidade ou uma ação também novas. O específico, o detalhe, a nuança estão muito presentes nessas palavras pouco conhecidas. Obrigado pelo texto!
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