domingo, 29 de março de 2015

Rita



              Confusões com ligações telefônicas são comuns, 
              todo mundo sabe.
Número errado, ddi errado.
O “Ô, desculpa, foi engano,” virou mato.
Isso quando quem liga não é o tu-tu-tu-tu.
Falha de dedo. Tecla enroscada.  Anotação do número errado!
Os caras se matam para pendurar um satélite na nossa cabeça e a gente errando apertos.
Aqui em casa é comum ligarem perguntando, no número mais novo, se é de um tal colégio - porque esse número, algum dia, já deve ter servido para causas mais nobres do que meus míseros papos com minhas amigas.
Normal.
Mas outro dia foi de doer.
Atendo o número de tantos enganos e a voz masculina já vai disparando em tom doce, suave, quase sussurrado, mas firme:
Oi Ritinha, sou eu.  Me desculpa por ontem, por favor.
Acho que o sr.  ligou no número errado, respondo.
Não Ritinha.  Não faz isso não, meu amor.
Mas não é a Ritinha.
Ah! Claro.  Você está no trabalho, eu mesmo liguei.  OK.  Tá disfarçando, né meu amor?!
Moço, já disse que o sr. ligou no número errado.  Aqui é uma residência!  Por que eu disfarçaria meu nome no meu próprio trabalho?
Puxa Rita, você é firme nisso de disfarçar. Gostei.  Olha, fica quietinha que eu vou falando.  Só ouve, tá meu amor?!   É importante eu deixar tudo esclarecido sobre ontem.
Ai caramba!   Resolvo ouvir que é pra ver se depois ELE me ouve.
Fico quieta e ele prossegue feito uma metralhadora disparada.
Olha meu amor...Sei que ontem eu fui meio desajeitado, não fiz muito bem as manobras e acabou saindo tudo muito esquisito.
Ah! Claro!   Manobras! 
Fico aliviada.  Deve ser um aluno ligando pra sua professora da auto-escola!.
Não se preocupe, eu respondo.   Da próxima vez você vai se sair melhor.   Ficou nervoso, ansioso.  Também não é pra menos, não é?  Mas agora me ouve, por fav....
Ai Rita!  Por isso que gosto de você.  Sempre compreensiva!  Pensei que vc não perdoaria o não conhecer as dimensões, o ritmo que não acertei, o local inadequado e nada acolhedor...
Calma...hum...
Antoninho.   Adoro quando você me chama de Antoninho.
Calma, Antoninho.   Você terá sua próxima chance.
Vixi! Por que falei isso? Acho que assim ficou complicado. 
Pensei que ele pretendia marcar outra aula, outra prova...e tentei lembrá-lo de que eu não era a Rita...mas que ficasse tranquilo.
Mas claro que é!  Conheço essa voz.  Aliás agora conheço tudo de você...inteirinha, todinha...E quero que você saiba que você merecia um lugar melhor, e uma explosão de emoção...Sei que não foi o que você sonhava...Mas pelo menos pudemos ficar sozinhos e sem medo de sermos descobertos...
Meu Deus!  Esse cara é maluco!  Aviso que vou desligar.  Que é tudo um grande engano...que não sou a Rita - embora nessas alturas eu já estivesse encafifada com o que esse cara pudesse ter aprontado com a tal Rita.
Não, não, não.  Por favor, Rita.   Não faz assim. Não desliga. Estou me abrindo com você.  Pensa que é fácil pra um homem admitir que não foi eficiente? Quero dizer, foi bom, mas podia ter sido melhor.
Chega!
Desligo o telefone.
Toca de novo e o Antoninho recomeça:  Você quer mesmo acabar com tudo assim desse jeito? Pergunta em tom irônico.
Cruzes!  O cara está espremendo a Rita que não é a Rita, dando satisfações e explicações... Fico apavorada pensando que quando ele encontrar a Rita verdadeira ele será todo dócil e gentil, pensando que está tudo esclarecido e ela, que não fará a mínima ideia de sua franqueza e hombridade, vai lhe dar uma bolsada na orelha.  Porque a julgar pelo que ele diz foi uma noite desastrosa.
Escute, Antoninho.  Preste bastante atenção:  não sou a Rita.  Ligue no número certo e fale tudo isso a ela.  Você deve ser uma pessoa muito legal, mas eu não sou a Rita e embora tenha entendido suas explicações, não poderei te dar uma nova chance.
Que é isso Ritinha, sem chances?
Não, Antoninho.  Não sou a Rita, mas se fosse, te daria uma chance, sim.
Ah é?  E o que você faria?
Eu te chamaria pra tentar “manobrar” de novo.  Essas coisas requerem intimidade, prática...
Sério?
Sério.
Obrigada, dona.   Agora vou ligar pra Ritinha.
Acho que vou mandar desligar essa linha telefônica.


4 comentários:

  1. Prezada Dona Marcela,
    Agradeço demais a conversa que a senhora teve comigo sobre minha manobra desengonçada com a Ritinha. Terminou servindo como um ensaio e me ajudou a saber o que dizer a ela, na hora do pega-pra-capá. Ritinha não foi compreensiva como a senhora, mas acabou entendendo. O nervosismo da manobra inicial desapareceu, e agora nós dois fazemos baliza, curva fechada, ré e outras coisas menos católicas com muita desenvoltura. Muito obrigado, de novo. Deus a abençoe.

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  2. Dona Marcela, o Antônio não tem juízo. É por ser abestalhado assim que ele meteu os pés pelas mãos, pra não dizer outra coisa, na manobra do primeiro dia. Fiquei meio chatiada também com isso de ele me confundir com a senhora. Mas gosto dele, tem bom coração e, quando acerta a manobra, não tem pra ninguém. A senhora já foi madrinha de casamento?

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  3. Querida Marcela, voltei das férias e encontrei todo esse movimento aqui. Você não deveria mudar o número do telefone. Luís Fernando Veríssimo que se cuide!

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  4. Marcela, concordo que você deveria mesmo é divulgar mais o seu número e aproveitar para relatar um pouco para nossa diversão e compreensão. Beijos. Sandra.

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