segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Colorindo o outubro rosa





Confesso que fui para a exposição de Frida Kahlo com o rosinha básico do outubro-alerta pregado no peito.  Um brochinho gracioso que ganhei.

Mas fiquei pink quando cheguei lá e vi que a exposição é chamada: “Frida Kahlo – Conexões entre mulheres surrealistas no México”.  Imaginem a riqueza de conteúdo!

Saí com uma paleta imensa de cores!! Sensação de cheiro de tinta a óleo pregada no nariz. Figuras e imagens passeando insistentemente na caixola da leiga aqui.

Uma surpresa que me fez repensar tudo que ia escrever.

Na internet tem muita informação a respeito de Frida, Tomie e o Instituto Tomie Ohtake, então não vou contar o que já está mais do que contado. 

Vou ficar só no propósito da exposição e os aspectos que podem ser destacados dessas duas figuras femininas que são tão emblemáticas.

Como o nome da exposição já diz, não estão expostas obras só de Frida Kahlo que, ao longo da vida fez apenas 143 trabalhos, mas de um grupo de mulheres que tinha em Frida o eixo de um diálogo cultural no momento da arte surrealista do México. 

Além de amigas, essas mulheres compartilhavam a sensibilidade aguçada nas artes que faziam. Muitas são mecenas (Natasha Gelman para Frida, por exemplo) e completam o grupo no que diz respeito à ajuda e apoio artístico, com aberturas de galerias e exposições exclusivas, críticas de arte em revistas de destaque etc.

Foi brilhante o trabalho da curadora Teresa Arq ao reunir as obras  fazendo um recorte muito específico daquele momento artístico. Além das telas há fotos, desenhos, esculturas, jornais, roupas etc

Deve ter dado um trabalhão pesquisar, conseguir trazer o material e organizar. Muita coisa é de acervo particular.  O resultado é excelente.

O surrealismo já estava instalado e assimilado na Europa quando esse grupo de mulheres avança no conceito desta corrente artística  – desprezando convenções (que é a marca do movimento), com o detalhe de elas extrapolarem as fronteiras incorporando imagens fortes, cores e traços impositivos, assimilando a cultura nativa mexicana às obras.

Muito interessante o conceito todo porque se o surrealismo já era dar asas ao onírico, ao acaso e ao inconsciente, nas mãos delas a arte fica potencializada, reforçada e cheia de elementos típicos do país – com cores e temáticas muito peculiares.

Elas fazem, inclusive, catarse de seus momentos particulares sem nenhum pudor e com muita habilidade - o aborto que Frida sofreu e as dores reumáticas II (foto ao lado) de Remedios Varo estão registras em telas e são chocantemente belas! 

E como esse grupo virou grupo?

Época de guerra na Europa – algumas se mudaram para o México para sempre. Duas delas são americanas.

Elas já participavam do movimento surrealista em seus países – direta ou indiretamente (algumas eram esposas de artistas) e haviam conhecido a cultura mexicana através de Frida, em 1938, numa viagem que ela fez a Paris. 

Outras foram visitantes esporádicas e amantes da cultura mexicana que realizaram obras onde se vê claramente a influência e a assimilação cultural que seus passeios imprimiram em suas percepções.

São várias mulheres e não vou listar o nome de todas para não alongar o texto. As que mais saltaram aos meus olhos de leiga foram Maria Izquierdo, Rosa Rolanda, Remedios Varo. Mas há muitas outras – todas cheias de cores e criatividade fantásticas.

Quadros que no Realismo eram chamados de “natureza morta”, nas mãos delas não tem nada de morto – frutas têm feições de bicho, a folha é um gafanhoto e assim vão. María Izquierdo nomeia uma de suas telas de “Natureza viva”.  A foto ao lado é de quadro de Frida: "Noiva assustada ao ver a vida" - 1943.

Das cabeças de seus personagens saem de tudo: bichos, plantas, enfeites, esboços irreconhecíveis.  Ou são cabeças que suportam de tudo.

Uma delícia identificar ou, pelo menos, tatear o pensamento e os significados registrados nas obras.  Minhas minhocas tiveram companhias ímpares desta vez.

E ver obras originais é uma emoção incansável.

Frida sempre me chamou a atenção em duas características:  por parecer que ela mesma, por si só, era uma obra de arte viva com seus vestidos coloridos, apetrechos e enfeites enormes – aspecto que só ficou reforçado coma esta exposição nas muitas fotos apresentadas. 

E pelo lado pessoal no que diz respeito à perseverança: foi uma menina que teve poliomielite e como sequela ficou manca; depois, adulta, sofreu um grave acidente e passou muito tempo na cama – com dores e todas as dificuldades que podemos imaginar.

Ainda assim, pintava.  Deitada.

Essa persistência em fazer arte apesar dos percalços da vida é algo para ser notado e destacado. 

Tomie Othake –  não teve todas essas dificuldades com a saúde – pelo contrário, foi longeva e ativa até o final de sua vida.  


Mas imaginem o que foi para uma mulher de origem oriental, que até os 40 anos foi dona de casa e mãe, cuidado exclusivamente de rotinas familiares, deixar vir à tona sua arte adormecida - ela dizia que desenhava muito na infância.




Quando resolveu desenhar e pintar novamente, o fazia em sua pequena sala de visitas e dizia que trabalho faz bem sempre.




No caso dela, o trabalho era arte naquele momento.

E que arte essa nossa artista plástica produziu! 





Muitas de suas obras estão espalhadas pela cidade e você pode ver outras que estão sempre expostas no ITO – num local separado e sempre acessível.
  
A foto abaixo é do Instituto - que foi desenhado por seu filho Ruy Ohtake.







Não é fácil manter a antena ligada em meio a dificuldades e rotinas.





Muitas mulheres vão sendo atropeladas e engolidas por tarefas e momentos que lhes parecem mais urgentes, ou por se acomodarem em situações complicadas, e acabam por deixar para lá suas habilidades artísticas.

Espero que sejam bem poucas a desprezar suas percepções porque precisamos disto tudo, desta dinâmica de vida cheia de altos e baixos, permeada e exposta na arte.

Então o recado é este: não se deixem atropelar tanto que além de não prestarem atenção às habilidades artísticas, não cuidem de suas saúdes também.

É mês de chamada para cuidar da saúde feminina, principalmente a prevenção do câncer de mama. Então vamos aos exames médicos.

E já que somos assim, persistentes e plugadas em várias tomadas, vamos fazer o pacote todo e já marcar os exames para os companheiros e companheiras também!!






Quem sabe passamos de outubro rosa
 para multicolorido!

domingo, 11 de outubro de 2015

Quanta emoção!

Esse texto está atrasado!  É sobre a última semana de setembro e o início de outubro.

Mas acho que ainda tá valendo!  



Que semana recheada de emoções!

Quase insuportável aos Ticos e Tecos neurais de qualquer pessoa a assimilação de tanta informação carregada de consequências, no mínimo, históricas.

Não será possível comentar todas, mas vamos a algumas!

Alguém aí não imaginou umas bacteriazinhas verdes acenando e dando uma piscadela aos espiões humanos e seus carrinhos-robôs?

E viva a água salobra encontrada no planeta vermelho, Marte!

No mínimo estranho esperarmos por seres verdinhos num planeta avermelhado pelo dióxido de ferro presente naquela atmosfera em altas proporções.  Mas nosso imaginário é enorme, divertido e colorido.

A descoberta não resolverá nossos problemas do planeta azulzinho (e olha a cor aí de novo, gente!), mas dá um certo alento pensar que, se um dia tivermos de fugir daqui, já sabemos para onde poderemos ir. Dá para fazer oxigênio com as moléculas de perclorato que encontraram por lá. Coisas de cientista - não me perguntem como se faz, tá?!

E o fatiamento político administrativo feito em nome da governabilidade?

Vejam bem: não questiono esse ou outro partido. 
Tenho problemas com coisas que já têm no nome uma partição porque dentro dos tais partidos (que já são partições de ideias maiores) há trocentas alas, fações e divisões, me dando a impressão de que vamos chegar às moléculas, átomos, elétrons e prótons que constituem as coisas, mas não às questões básicas necessárias para administração pública.

E política deveria ser cuidar e administrar o bem público. Só isso. Os mecanismos criados para que isso seja possível deveriam ser simples e transparentes. Mas ficou tudo tão complicado!

A democracia começou com votações feitas com pedrinhas num cesto qualquer e não precisaríamos voltar aos cascalhos, mas ao básico do conceito talvez fosse uma boa e oportuna lembrança.

É fatal pensar na Suécia - o país mais igualitário do mundo - e seus modelitos administrativos admiráveis. Foi um processo. Não uma mágica. E funciona.

Também é fatal ter a sensação de que os políticos de hoje em dia – não só de nosso país – viraram um bando. Um bando de crianças mimadas que chutam o tabuleiro quando jogam o dadinho e sai o número azarado! “Retornar ao início do jogo” diz o tabuleiro. 
Então nada como chutá-lo! Solução de criança birrenta é assim.

Sem contar que não tenho boa memória e quando consigo guardar o nome e o ministério ou cargo de alguém, logo vem uma mudança e aí confundo tudo.
Quem era mesmo da casa civil? De que partido? Amigo de quem? O que ele pensava?

Aff!

Fico imaginando os professores de história, daqui a alguns anos, explicando esse momento político do Brasil e do mundo.  Coitados dos alunos. Vai ser dureza. Mas nada que um gráfico gigantesco de pizza desenhado na lousa não consiga resolver.

Outra notícia que deveria ser tão explosiva quanto a da confirmação de existência de água em Marte saiu há uns meses atrás e vem ecoando devagarinho:   um estudo do Observatório da Terra Lamont-Doherty, da Universidade de Columbia, USA afirma que a seca influenciou a vida política e social e, consequentemente, as guerras na Síria.

A seca por lá não é fato recorrente. É um lugar naturalmente árido mas a seca entre 2006 e 2010 foi sem precedentes na história daquele lugar. Os cientistas acreditam que a mãozinha do homem ajudou na alteração do clima local.

E como isso ajudou a gerar as guerras?

Basicamente funcionou assim: quando o povo sírio migrou do campo para a cidade, porque não tinha chuva para plantar, não encontrou o que precisava e começou a pressionar o governo que achou que a solução era reprimir os insatisfeitos.

Aí vieram grupos extremistas reivindicar seus interesses, acabando por atrapalhar qualquer tentativa de endireitar a situação. Isso vem ocorrendo há 4 anos – Angela Merkel que o diga.

Claro que estou falando em linhas grosseiras e gerais e a seca não é o único fator da guerra por lá, mas infelizmente, e, enfim, a confirmação científica do que cientistas, historiadores, geógrafos e sociólogos sempre disseram: o efeito dominó das mudanças climáticas vai além de derretimento de geleiras e elevação dos níveis dos mares. 

Também será difícil para os professores do futuro ensinarem sobre esse assunto. Mas imagino que os alunos, em suas classes-bolhas-de-ar-purificado e protegida de radiação, já serão seres mais lapidados no espírito humanitário e acharão o fato apenas um tropeço da humanidade – algo que ficou no passado e que não mais ocorrerá.

E para fechar, porque já está enorme, só mais duas, sobre saúde.

Uma ruim: em nosso país, todo ano, morrem mais de 200 mil pessoas por falta de acesso a tratamento quimio e radio terápico.  Mais ou menos o mesmo número de mortos nos quatro anos de guerra na Síria.

Triste isso.

Que eu saiba, produzem melão no deserto do Saara!

Uma boa: a partir desta semana, pessoas com deficiência na audição e fala, contarão com tradutores na hora da consulta em hospitais públicos de São Paulo.

Também produzem melancia no deserto.

Semana que vem tem mais.

Para manter o rosa deste outubro, falarei um pouco de duas mulheres extraordinárias: vou visitar a exposição da Frida Khalo, no Instituto Tomie Ohtake.

Além de comentar um pouquinho sobre as duas, contarei para vocês como foi a experiência de não me sentir só com plantas, flores e bichos na cabeça – para não dizer minhocas!



sábado, 3 de outubro de 2015

Refém

Uma borboleta amarela esbarrou em Rubem Braga em pleno Rio de Janeiro, me lembrei, assim que tudo começou.

O fato gerou uma crônica simpática e muitos comentários dado o desfecho inusitado. Depois o título foi adotado em um livro seu de contos e crônicas: A borboleta amarela.

Talvez eu devesse, então, achar normal que uma abelha me atropelasse em plena São Paulo.

Digo atropelar porque ela veio ao meu encontro de repente, do nada e sem rodeios.
Espantei a dondoca voadora que queria pousar na minha mão, no meu braço, nos cabelos.
Ela desviou, mas voltou.

Socorro, mestre Rubem!!!  
Borboletas são delicadas e as cenas narradas sobre elas ficam leves e até românticas. 
Abelhas são outra estória. Têm ferrões.

E de novo lá vem ela tentando pousar na minha mão.
Amarela também.  Com listras pretas.
Começo a achar que não é nada normal uma abelha atropelar e cismar com alguém.

Enquanto a borboleta de Rubem saiu animada visitando a cidade como a conhecê-la e admirá-la encantando o cronista que a perseguiu em seus volteios, a abelhinha queria colo, aconchego, um lugar para ficar.
Eu não usava perfume, não bebia, nem comia,  mas a bendita me fez pensar que mamãe havia passado açúcar em mim.

O espaço entre encanto e espanto é o estranhamento e é aí que estou.

De onde surgiu a solitária e por que literalmente quer grudar em mim?  
Medo de alguma coisa? Não parecia em alerta.

Eu a teria perseguido na lembrança do texto, na gostosura do voo e provavelmente teria sentido que ela me pertencia como Rubem com a borboleta amarela, se ela rodopiasse ou fizesse uns voos charmosos.

Mas ela realmente queria aterrissar em mim.  Não conhece a crônica a pequenina – ou poderíamos interpretá-la como uma homenagem ao escritor – versão paulista com adaptação do animal na proporção da dureza da cidade.

Usava o celular para digitar e deixei que ela pousasse em minha mão para ver o que faria e ela pareceu apenas inspecionar o local: pele com pigmentos alterados, poucos pelos, montanhas feitas de veias e artérias, dobrinhas e rugas. Tudo verificado.  Pareceu aprovar.

Continuei escrevendo no celular e ela lá. Curiosa, tentou andar na tela. Escorregou e voltou para minha mão.
Ok. Foi legal o encontro, mas agora vai passear e descobrir o mundo, vai!! Cadê sua colmeia?

Talvez abelhas sejam surdas. Não sei.
O fato é que ela queria ficar em mim. Não era perto, nem ao redor.
Era em mim.

Tudo bem!!
Penso em fingir ser uma flor que brotou no calçadão da cidade.
Flor de cacto atrai abelhas?
Uma fruta?  Jaca é bem cheirosa.

Os cientistas dizem que se as abelhas sumirem da face da Terra não teremos mais alimentos.  Elas fazem parte de nossa cadeia alimentar indiretamente, então tentei ser complacente.
Dois terços dos alimentos que utilizamos são cultivados com a ajuda das abelhas.  Maçãs são assim.
Uso a lembrança como argumento para ter paciência com a nova companheira que continua na minha mão, mesmo enquanto digito. 
Não se importa com os pulinhos dos dedos e o rodar do celular que por vezes faço para enxergar melhor a tela.

Já sei!
Ela consegue ler o texto e deve estar gostando porque permanece.

Socorro, Rubem!. Preciso de um desfecho igual ao seu!
Mas parece que não vai rolar.

Aguardo um ônibus e estou começando a ficar preocupada.
Como fazer quando ele chegar?  Espanto a coitada e entro correndo e gritando pro motorista: fecha, fecha, feeechaaa a porta!!

É uma ideia, mas terei que ser a última a entrar ou a abelhinha vai acabar aproveitando a entrada dos outros passageiros. Sem contar que o motorista pode achar que minha pressa é alguma possibilidade de assalto.  Seria uma confusão.

Também posso deixá-la no dedo, fingir que é um anel e levá-la para conhecer meu bairro.
Bonito lá. Ela vai gostar, tenho certeza. Muito arborizado.

Mas talvez não seja uma boa ideia porque se ela resolver voar dentro do ônibus pode assustar o pessoal.
Que enrosco!

Como disse um amigo querido, eu só queria voltar em paz para casa!! será o título de meu livro de crônicas – se eu um dia o fizer. Tudo acontece nesse momento de retorno, se eu estiver usando os coletivos. 
Parece uma sina!!!   Se estou com meu carro, tudo corre normal, embora muitas vezes eu esqueça onde tenha estacionado e aí são outras encrencas que eu mesma causo. 

A mulher que aguarda o ônibus ao meu lado já tentou espantar a coitada.
Não sei quem é mais louco. A abelha ousadinha que me adotou ou a mulher que quis tirá-la da minha mão?

A mão é minha, dona! Deixo o que quiser nela, penso já com certo ciúme do bichinho.

Agradeço a tentativa de proteção e fico intrigada com a intromissão.
Pode?  E se fosse minha abelha de estimação?
Estou quase lá.

E o ônibus vai chegar, avisava meu celular.  
E nada da abelha ir procurar suas semelhantes.
Ando um pouco na calçada, abanando o braço.
Chacoalho a mão. 
Dou peteleco.
Ela sai e volta.

Começo a rir sozinha.
Já estou na página dois e ela continua em mim. O texto começa a ficar meio atrapalhado.

Que mico!
Se eu contar, ninguém vai acreditar!  Refém de uma abelha!

E o ônibus chega e eu fico aflita e dou uma empurrada básica na Grudentilda (É, gente. Acabei por dar um nome a ela).
Mas acho que ela não gostou do nome e do empurrão, pois me meteu o ferrão e saiu voando num zigue-zague amalucado.

Não gritei de dor, mas devo ter ficado roxa porque o motorista do ônibus viu e arregalou os olhos perguntando: quer álcool dona? Tenho aqui.

Ô, Rubem!! Falei que precisa de um desfecho semelhante ao seu. 

Valeu, Grudentilda! Foi um prazer doído e inchado te conhecer!!

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Pistas

Quando eu era criança chegava na casa de minha avó materna e ia logo dizendo:
Vovó!  Vou adivinhar o que a senhora comeu hoje!
Claro que ela me olhava com aquele ar de quem acha que a neta é esquisita, mas entrava na brincadeira.

Diz!
Laranja, feijão e bala de café, eu respondia animada.
Acertou! Como você sabe?

Eu tinha aprendido o jogo de adivinhação com minha mãe.
Todas as vezes que minha mãe a encontrava ficava doida com a sujeira acumulada nos óculos, sempre pendurados no pescoço. 
Eram restinhos de coisas que vovó tinha lambiscado ao longo do dia e, na pressa, deixado cair, em migalhas, nas lentes dos óculos.
Ou seja, vovó nunca usava os óculos e ainda por cima era muito distraída e babona!

Ela resolvia o assunto espanando a sujeira, exclamando um “pronto” de quem acha que esse é o menor dos problemas.  As lentes estavam sempre ensebadas e embaçadas.  Mesmo assim ela cozinhava, costurava, fazia tricô e crochê com perfeição.
Concluo que vovó não precisava de óculos e gostava de ter um babador moderno.

Eu acho que meus netos farão a mesma coisa comigo.
A diferença é que ao invés dos óculos, usarão o meu celular, notebook e similares como fornecedores de pistas.

Vovó!  Vou adivinhar o que a senhora fez hoje.
Diz!
A senhora picou papel, fumou, comeu bolo e tirou pó da casa – menos do computador!
Como você sabe?

Ah!  E a senhora fez carne engordurada e depois falou com a minha mãe pelo whats!
E...Vovó! a senhora mexeu com gliter hoje? 

Que esperteza!!!!

Duvido que haja alguém na face desta terra que use esses apetrechos e não os suje.
Impossível!
Você pode até caprichar, lavando sempre as mãos e deixando tudo bem longe de você, por precaução e conhecimento de sua característica desastrada, mas aí vem um amigo ou um parente e pimba!  - goteja alguma coisa, derruba outras ou simplesmente usa os seus apetrechos com as mãos cheias de creme, óleo ou estreptococos in natura mesmo.

E fiquei pensando que se tivermos o fim da humanidade e Ets nos descobrirem daqui a milhões de anos, espero que não encontrem esses equipamentos e os usem como objeto de estudo de comportamentos. Seria uma grande confusão!

A definição deles sobre os equipamentos seria, provavelmente, “algo em que essa espécie desaparecida utilizava para refeições, comunicação e entretenimento já que apertar teclas parece ter sido uma das atividades mais praticadas em suas vidas”.

E tentando aprofundar o assunto, os Ets poderiam concluir: “Pelas evidências encontradas, parece que era uma espécie comilona e solitária, provavelmente com membros atrofiados e cabeças gigantescas. Seus  cérebros ficavam constantemente conectados a esses estranhos aparelhos”.

Ou, com uma previsão de*, em 2019, ter mais aparelhos que gente, a Terra talvez fosse considerada por eles um planeta cuja espécie dominante era a de gulosos aparelhos eletrônicos e, os humanos, apenas seres simbióticos – acoplados e depedentes dos aparelhos que teriam reinado sobre todas as outras espécies.

Um ou outro Et contestaria essa teoria, claro. Mas seriam desconsiderados no meio científico, dadas as evidências encontradas nos vãozinhos dos apetrechos eletrônicos.

  • 2019 haverá 7,6 bilhões de assinaturas de banda larga -  Previsão da Ericsson que supõe o uso de, pelo menos 1 aparelho para cada linha),


quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Amigas

Da Seção "Contação"



Meu marido diz que sou daquelas que colecionam amigas.
É verdade.
Cada uma com seu jeitinho. Cada uma amada por esse jeitinho.
Curto as pessoas, suas estórias e experiências.

E todo mundo tem uma amiga atrapalhada, não tem?
São elas que nos divertem, que fazem com que sintamos que somos “normais” e nos deixam mais leves no dia a dia.
Geralmente fazem as mesmas coisas que a gente, com um toque de exagero típico delas.

O detalhe é que elas contam e vivem as façanhas como se fossem as coisas mais naturais do mundo.
Eu poderia ficar horas escrevendo sobre o assunto, mas vou me ater a uma única que é para não alongar a contação.

A minha amiga em questão não é mais atrapalhada porque é uma só.
Se eu tivesse mais uma amiga como ela...
Bem, seríamos 3 atrapalhadas!
Não fico muito longe, mas ela é peculiar.

Se houver uma única poça de água em quilômetros e ela estiver à milhas de distância... Ela vai cambalear, rodopiar, tropeçar e puff: cair na poça! 
Provavelmente estará de calça branca e terá que voltar para casa para se trocar.

Disse que está acostumada, a criatura. Mas duvido.
Sempre penso que cada tombo é um susto rápido que será reproduzido em câmara lenta centenas de vezes depois do levanta-sacode-a-poeira-e-dá-a volta – por cima, pelo lado ou por dentro da poça, no caso dela.

Ela tem plena consciêncica desta, digamos, “característica”, então é assunto conversado e constatado.  Nenhuma traíção neste comentário, tá gente.

Tempos atrás ela ganhou um carro zerinho de seus pais.
Toda feliz, foi retirar o bendito numa concessionária.
Faz isso, faz aquilo – faz seguro, doctos. e... Manobras para sair.
Claro que ela bateu o carro na porta da loja. E bateu no carro que a levou para retirar o novinho, de um amigo.
Sem comentários.  Chegou em casa de busão dizendo que demoraria mais 2 semanas para poder andar no carro novo.

Acordei um dia desses com a ligação da mãe dela: sua amiga capotou o carro ontem e está em repouso. Se puder vir, ela ficará contente com sua visita.
E lá vou eu ouvir:  “não sei! Não sei o que aconteceu.  Acordei com o cara do resgate e a máquina de lavar roupas – um de cada lado”.
Ela tinha ido buscar o trambolho lavador e deve ter dormido ao volante, penso eu, mas ela só lembra que estava cantando e muito animada...

Já sei, gente: o anjinho da guarda dela é cego! 
É uma possibilidade, vai.

Até nas aulas de ginástica ela se enrola.
Com o pé direito pisou na meia do pé esquerdo e tentou um movimento.
Caiu.   Disse que foi a bola do pilates que escorregou. 
Concluo que a bola tem vida própria e sabe bem o que quer: derrubar alguém!

Na aula de aeróbica ela ficou atrás de uma mulher muito alta e não conseguia enxergar a tia-fessora.
Beleza. Resolveu imitar todos os movimentos da moça que estava logo à sua frente e completou a aula, de boa.
Mas depois ouviu a moça comentando: tive tanta câimbra hoje, gente. Fiquei me contorcendo um monte.  Quase não consegui acompanhar o que a instrutora fazia!

Tem amiga mais sincera e espontânea?

Mas o melhor mesmo foi o dia do shopping.
Além dessa coisa atrapalhada (e mesmo assim muito amada!) ela é uma consumista compulsiva e sem conserto.
Sabem, não é aquela coisa de estou na tpm e vou me presentear porque não como chocolate. Ou, preciso de um casaco e vou comprar.
Ela compra roupas como quem se alimenta – necessidade básica de sobrevivência!
Então marcamos de nos encontrar num shopping bem movimentado.
Eu já cheguei olhando para todos os lados.  Queria estacionar meu carro longe do dela porque conheço a peça.

Na hora da despedida – estou muito aliviada. Descubro que ela estacionou o carro no lado oposto ao que estacionei. Mesmo piso, mas direções contrárias.
Ufa!   É só enrolar um pouquinho que não a encontrarei na rampa de descida para sair.

Mas o guardinha do estacionamento – aquele sujeito que te ajuda a achar o carro quando você está espirocada e esqueceu onde parou (já fiz isso!) - tá que apita lá longe. Então paro e olho para os lados. 
O guarda apita muito – várias vezes e muito alto.
De longe, avisto minha amiga que desce do carro e reclama: mas o que foi? O senhor tá apitando para mim?
Ai gente!
Vocês acreditam que ao sair ela engatou a ré ao invés da primeira? Mas foi devagar - porque logo percebeu que encostou no carro de trás e corrigiu tudo, saindo direitinho para a frente, me contou depois.

Ela só não percebeu que o Fusca, da vaga de trás, ficou com o para choque enroscado no carro dela e ela agora saía carregando o vizinho!! Um peso que ela não percebeu!

Então! 
Algumas coisas não têm conserto, apenas ajustes.
Em nome dessa amizade tão gostosa e querida e, pela segurança dela e de todo mundo, dou carona para ela sempre que vamos sair. Faço minhas atrapalhações vida afora também, mas dirigindo não.

Já com as poças d’água não posso fazer muita coisa.  Espero que sejam sempre rasinhas e a questão pare só na troca de roupas.

Ah! E lembrem-se.  Ela sai sozinha de carro de vez em quando, tá?!

Beijão para você, amigaaaaa queridaaa!  Te pego às 19h, na terça.


quinta-feira, 6 de agosto de 2015

O vizinho da frente canta óperas

Da seção "Contações"



De cueca, na varanda do apartamento, o vizinho da frente canta óperas.
Faz apresentações brilhantes o rapaz.
Os amigos dele – sempre vestidos - costumam puxá-lo para dentro do apartamento, mas ele apoia as mãos na grade da varanda e não arreda pé, cantando uma ária inteira.
Se estiver bêbado, canta 2.
Dá para ver que ele está bêbado porque argumenta sua retirada da varanda com dizeres de língua mole e está cambaleante.

Todo mundo sai na janela para vê-lo.  Porque ouvir, a gente ouve até com as janelas fechadas.
Parece jovem. Pulmão de nadador, que canta.
Ao final, o pessoal dos vários prédios ao redor do dele, o aplaude.  Inclusive eu!
Gosto quando ele fica bêbado. Canta muito!!

Outro dia, à noite, estávamos sem luz na rua depois de uma chuva forte e o vizinho, quase-pelado-cantor-de-óperas, resolveu reclamar.
E, claro, ele não foi lá e gritou. Ele cantou como um barítono: “Dilma, devolve minha luz!  Diiiilmaaaa!  Devolve minha luuuuz!!!”  Ao que alguém, de outro prédio, respondeu no mesmo tom...”e meu dinheiro”... e outro completou “e minha paciência”.
Atitudes espontâneas, pipocadas aqui e ali por gente pensante e bem humorada me divertem.

Minha rua é, na verdade, uma alameda – mão única, muito arborizada e bem silenciosa.
À noite ouve-se todos os fluídos do seu corpo se movimentando nas cachoeiras que ligam estômago, rins, baço,  intestino. Fico imaginando a trajetória. 
Se você for asmático dormirá com um gato ronronando dentro de você.
Uma delícia de rua.  Sem barulhos de carros e motos que costumam passar bem na hora do desfecho do filme que você está assistindo, impedindo que você entenda o final.
Aqui não.  Você amanhece com o bem te vi pai ensinando o bem te vi filho, primos e amigos a cantar.  Os sabiás andam na grama do condomínio e as borboletas amarelas são figurinhas que fugiram da crônica do Rubem Braga e brincam por aqui.

Outro dia foi um rapaz na portaria que fez o show.
Imaginem esse lugar silencioso, mais de 3 da matina de um domingo e um moço que queria porque queria entrar no condomínio para falar com uma tal Bárbara. 

Quem era o moço? Só Deus e a Bárbara sabem, mas pelo desenrolar da apresentação gratuita, ele levou um chutaço da Bárbara e queria voltar a namorá-la. Mas veio pedir a volta durante a madrugada, bêbado, e com pulmão de barítono.
Como o porteiro não permitiu a entrada dele, ele ficou no portão...Contou a ela que ainda a amava, que tinha que entrar, que falaria com os pais dela e toda a lenga a lenga que bêbados costumam falar.

O problema é que ele não falou, ele recitou.  E recitou alto todas as intenções e problemas que tiveram.   Então o vizinho do prédio da frente resolveu aconselhá-lo a ir para casa porque a Bárbara já estava em outra, não o queria mais.

Mas o moço não concordou. Disse que ele estava enganado. 
Nessas alturas o condomínio inteiro estava acordado e gargalhava com o diálogo recitado e tresloucado de um bêbado conversando com um anônimo insone sobre os problemas daquele namoro.

Recitar é uma coisa interessante.  Parece coisa antiga, mas ainda válida e me fez lembrar um tio avô que foi escalado para recitar, numa apresentação escolar, um poema de Raimundo Correia.

Meu tio teve aquele branco que a gente tem quando está falando em público e perde o fio da meada e enroscou bem no início, no verso que era: “... E vai-se a primeira pomba”.
No aperto, ele soltou algumas pombas. Foram-se a segunda, a terceira e a quarta pomba até que a professora conseguiu chegar no pé do palco e cochichou a continuação do poema para desenroscá-lo.
Como quase ninguém sabia o poema, tudo passou despercebido, mas ele gostava de contar a estória para ilustrar que o improviso vale para qualquer ocasião; basta ser criativo.  E, claro, ter um pombal!

Mas voltando ao rapaz da dor de cotovelo, alguém chamou a polícia por causa do barulho e tudo se complicou.
Não porque os guardas levassem o namorado rejeitado num camburão.
É que eles acharam a situação ridícula e não quiseram prendê-lo.  Ao contrário, resolveram confortá-lo e com muito esforço para não gargalhar alto (ouvíamos as risadas abafadas) danaram a conversar.   Podia-se ouvir os conselhos dos guardas e as lamúrias do moço.
Convencidos de que ele tinha razão, os guardas passaram a chamar pela tal Bárbara também:

-- Bárbara!  Ô Bárbara!  Dá uma chance pro rapaz!
    Desce aqui.  Conversa com ele.

-- Te amo, Bárbara! Te amo!! Desce aqui!

Por fim, o condomínio todo resolveu solucionar a situação e passou a fazer coro pedindo que a tal Bárbara descesse para conversar com o ex, afinal de contas todo mundo queria dormir.

Deu certo. Parou o barulho e a confusão. Ninguém sabe se reataram.

A Bárbara mudou-se daqui, o porteiro me contou.  E eu sonhei, naquela noite, com uma moça só de calcinha numa varanda, cantando óperas. Acho que se chamava Bárbara.







terça-feira, 28 de julho de 2015

Desempregados anônimos

A Associação dos Desempregados Anônimos avisa:
queremos desesperadamente deixar de ser anônimos para deixar de ser desempregados. Temos a esperança de que uma coisa levará à outra.

Para tanto, transformamos nosso curriculum em confete barato, nossa foto espanta mosca em muitos escritórios e a palavra recolocação virou mato em nossa boca.

Os desempregados anônimos têm plena consciência que o negócio é ultrapassar um dia de cada vez...Grudados na internet...Enviando curriculum e atualizando perfis.

Pensamos que se suportarmos hoje, amanhã será um dia mais fácil e o tolerar a nós mesmos será pura diversão. 
 
Luzinhas em stand by, aguardamos alguém que aperte nosso botão de start e comecemos a funcionar num trimilique que nos devolva à vida ativa, aos ônibus lotados, aos carros entalados, às filas, chefes e colegas de trabalho.

Porque além das chatices do dia a dia, há sextas feiras nessa vida – lembramos delas!  E domingos também! que têm que ser diferentes das segundas, das terças e das quartas...

As desempregadas anônimas avisam que gostariam de, numa outra vez, serem desempregados anônimos - quando a geladeira por limpar e a roupa para passar não serão percebidos.

O limbo e a suspensão, amigos tão íntimos ultimamente, já avisaram que não chorarão nossa despedida. Têm muitos outros companheiros. 
Aliás, nunca tiveram tanta companhia nos últimos 10 anos.

É isso.
Os desempregados anônimos não se reúnem uma vez por semana porque estão muito ocupados com as minhocas de suas cabeças, com a má vontade e a preguiça que os vai tomando aos poucos, por inteiro.
Ah! E o último aviso: no momento não estamos aceitando membros na Associação, devido à superlotação.


 Att.
ADDA - Associação dos Desempregados Anônimos

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Oi pessoal,


Fiquei muuuito feliz com as surpresas da Rita e do Antoninho no blog!!
Muito simpáticas e com comentários divertidos, foram as visitas mais inesperadas que já tive por aqui!!
Espero que apareçam mais vezes!  São muito bem vindos.


Ando meio devagar nas postagens, nos comentários em blogs de amigos queridos e nos pensamentos porque estou empenhada em muitas coisas neste mês - uma delas é arrumar, urgente, um trabalho remunerado.

O ritmo por aqui, portanto, será outro.
Postarei uma coisinha ou outra mas não será da forma que gosto - pelo menos 2 postagens com crônicas, por semana.  Serão, muitas vezes, apenas dicas e comentários.

Hoje, coloco uma crônica escrita sob encomenda para algumas amigas:

Dulé



Minhas amigas sugeriram que eu escrevesse sobre o duende do chulé – o Dulé.

Mas escrever o que?  
Que ele é o duende responsável pelo sumiço daquele seu pé de meia? 
Que Dulé nasceu no Triângulo das Bermudas? 
Que ninguém consegue vê-lo mas todos sentem sua existência?
Todo mundo sabe essas coisas! 

Todo mundo sabe, também, que o Dulé mora entre o cesto de roupas sujas e a máquina de lavar roupas.  
Ninguém sabe exatamente onde, porque muito já se pesquisou sobre os corredores, banheiros e quartos, mas ninguém achou a entrada para o lar de Dulé. 
À princípio pensou-se no cesto de roupas, mas seria muito evidente para um duende.

Quando um pé de meia desaparece numa casa – e só percebe-se o sumiço quando, depois de lavá-los, tenta-se montar os pares – é natural que se procure por todos os cantos, refazendo o caminho do transporte das peças de roupas sujas até o cômodo onde fica a santa máquina que faz a mágica de deixá-las limpas.

Uma procura inútil.

Dulé sabe o momento certo de surrupiar as benditas e mais ainda como manter seu lar em total segredo!
Penso que toda casa tem seu duende – não o que merece e nem o de estimação como dizem os ditados fatalistas – mas tem.
E os danados têm suas preferências. 

O de casa gosta de meias sociais e escuras - principalmente as novinhas, aquelas que não têm bolinhas por contato com as outras roupas.

Tenho uma amiga que tem um duende maníaco por meias de crianças bem novinhas. Pega do bebê enquanto ele dorme e diverte-se ao ver minha amiga aflita no meio da noite, às apalpadelas, procurar a meia sumida que, naquelas alturas já está aquecendo a careca dele. 
É!  Careca, sim!  Porque eu nunca vi um Dulé, mas tenho certeza que eles são carecas e por isso precisam roubar as meias: fazem delas seus gorros - o que me faz concluir que o Dulé da minha amiga é um duende-anão e que no inverno eles aparecem com mais frequência!

Meu marido, no começo dos desaparecimentos, achava que havíamos arrumado - sem querer, claro - um saci.
Dizia que podia ter vindo de carona-escondida numa de nossas viagens ao interior do estado.
Expliquei para ele:  sacis gostam de outras sapequices – dão nós nas crinas dos cavalos, roubam roscas e bolos de fubá quentinhos, fumam cachimbo – são caipiras... Não sobreviveriam à cidade.
O que temos é um duende!!  Acho que podemos dizer que um duende é um saci urbano e versátil. Saci faz sempre as mesmas traquinagens e duendes variam – de lar para lar.

Na casa da minha irmã vive um que some com toda espécie de coisa pequena: óculos, relógios, chaves, cartões de crédito, parafusos, chaves de fenda philips.  
O dela chama Dustuff porque some com tudo, vive nos estates e é bem trapalhão.  Faz acordo com os 3 filhos dela e acaba aprontando mais do que o meu!   

Aliás, já tive um destes, mas ele foi embora depois que comecei a quebrar - por pura falta de jeito e cuidado - os óculos, os relógios, chaveiros etc e ele não teve mais com o que brincar.
Também há duendes no mundo corporativo.
Chamam-se:  Duport – duende que some com relatórios;  Dumeeting - duende que só aparece no momento das reuniões.  Normalmente eles invertem a imagem do projetor e somem com borrachas, grampeadores, réguas, canetas, relatórios e... tcham, tcham, tcham, tcham...Calculadoras HP!!!  – o must do sumiço.

Ah! E quase esqueci do Dubag!!! Este é muito malandro.  Ele vive nas bolsas das mulheres e some com qualquer coisa.  
Faz você desistir de procurar na bolsa e chegar à conclusão que deixou "a coisa" em casa, mas na verdade você está com "a coisa" na bolsa -  ele foi quem deixou "a coisa" para fora da bolsa por alguns minutos – só para te confundir.

Com as meias não é questão de confusão, não.  Dulés gostam de ver você colecionar pés de meias desemparelhados.   Têm prazer de ver a família inteira atrás de você perguntando sobre um pé sumido.  Puro sadismo!  
Ou muito frio na careca!!

Enfim,  minhas amigas tinham razão!  
Há muito para falar sobre o Dulé e seus amigos. 
E muito a procurar por causa deles.



Marcela Yoneda 
(atualmente com mais de 8 pés de meias sociais desemparelhadas)