quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Para a aniversariante do mês



Minha sogra


O prazo de validade de minha sogra está vencendo! 

E antes que se diga que sou cruel ou que minha exclamação se dá como fruto de clássicas rusgas entre nora e sogra, explico: ela nunca me incomodou, nem eu a ela.  Mesmo porque ela mora a quase 500 km de SP, onde vivo, o que não facilita cutucadas.

O que digo é que ter 98 anos faz qualquer pessoa ficar perto do prazo de vencimento.
E D. Itsu - ou D. Teresa como se auto nomeou há muitos anos atrás - está com 98 primaveras no curriculum.

Sou muito feliz em poder dizer que ela acolheu-me na família.  Com certa reserva por eu não ter olhos puxados, é verdade, mas acolheu. E perdoou todos as minhas gafes por não conhecer detalhes da cultura japonesa.

O caqui maduro que eu suponha largado no aparador era oferta para o Buda.  Eu não tinha nada que tirá-lo de lá!! 
O incenso queimando levava as orações para cima, eu não devia apagá-lo.
E dar dinheiro pra família do morto é ato de caridade porque se tem muita despesa nesse momento.  Aliás, momento mais de alegria do que de tristeza para os mais velhos, que têm a cultura mais arraigada e demonstram abertamente a alegria em ver alguém sair desta para uma melhor.
Estranhezas para mim que ela ia explicando naturalmente.

Aos 88 anos me dizia: quando eu ficar velha e doente você vai cuidar de mim? 
Eu tinha que falar da minha idade já avançada também, da saúde perfeita dela, das 3 filhas que jamais me deixariam cuidar, caso ela viesse a precisar.  
Muitas vezes me comprometi dizendo que se fosse o caso, cuidaria sim. 

Mas quem tem 7 filhos, tem gente demais para dar atenção e é mais fácil sair confusão nos cuidados, do que faltar o bendito. 

E que cuidados?  Quase nenhum ela precisa. 
Tirando a cadeira de rodas que usa por puro medo de usar uma perna "consertada" e que funciona direitinho se ela quiser... De resto, está tudo em ordem: come direitinho, faz crochê, ama ver as borboletas nas flores enquanto eu as rego e repara nos brotinhos da roseira.

Posso levar uma mudinha da branca, D. Tereza?
Ah! da branca?  não quer da vermelha?

Ciumenta das rosas, me oferece até orquídeas, mas a rosa branca vai ter que ficar pra outra vez porque ela desconversa.

Realmente pouco se precisa fazer fisicamente por ela.  Cuidados na hora do banho e ao passear no jardim da cidade, basicamente. 

Ela adora passear. Vai conversando com todo mundo que encontra pelo caminho e as vezes eu penso que ela é uma japonesa bem atípica.  É conversadeira.  Eu diria até que ela é desbocada.  Sempre foi um pouco.
  E, agora que está com a memória recente fraca, parece que tirou os limites sociais de convivência e simplesmente fala pro gordo que ele é gordo, pro encurvado que ele é corcunda.  

Em muitos momentos tenho vontade de entrar dentro dos ralos da cidade e me esconder até ela acabar os comentários, mas não posso. Tenho que remendar o que ela fala e achar uma saída para as saias justas que ela arruma.

Acho que a pior situação que passei com ela, numa mistura de risível e desconcertante foi no hospital da cidade dela.  
Dizendo que estava se sentindo "zoada" - e por zoada pensamos em tudo e qualquer coisa - resolvemos levá-la ao pronto socorro.

Nenhuma filha presente naquele momento, lá vou eu acompanhá-la.  
Enfermeiros pra lá e pra cá. Aguardamos atendimento. Ela só observa todo mundo.  Ri para crianças que, sei lá o porquê, estão no meio de adultos.

Estranho a quietude dela. Talvez seja porque não esteja bem de saúde mesmo, ou já estaria falando com Deus e com todo mundo, penso.
Ela está muito observadora.  Segue, com os olhos, o enfermeiro mais animado do PS.

Magricelo, dentro de calças jeans bem apertadas, camiseta branca e jaleco é uma peça rara que destoa dos demais.  Acalma as mães aflitas e depois revira os olhos pra mim.  
Percebo que ele tem os olhos pintados com lápis.  Lápis pretos, passados caprichosamente abaixo dos cílios inferiores. É engraçado, mas combina com ele - uma caricatura viva e solícita!

Carinhoso com as crianças, explica pro garoto acidentado que o dentinho quebrou, mas que nos lábios não precisará costurar nada.  O menino dana a chorar com a notícia e todos rimos.  Ele pega o menino no colo e passa na frente da minha sogra que o segura pelo braço e pergunta na lata:  você é homem ou mulher? Você não tem peitos, mas parece mulher!!!  
Ele dá uma gargalhada estrondosa e fala pra ela escolher. Para ele, tanto faz! 


Ah! Minha sogra querida!
Vinda do Japão aos seis anos, tem pouca lembrança do navio.  Só gravou a demora da longa viagem.
Jamais aprendeu a ler, apesar das 3 filhas professoras.  Viveu na roça, teve comércio, aprendeu português e comeu batatas cruas - não sabia como usar aquela “comida diferente”.  Trabalhou muito nessa vida nos afazeres da casa que era o que lhe cabia na dinâmica da família.

Prometida em casamento aos 14 anos, achou o escolhido magricelo e feio, "mas deu um excelente marido", ela fala até hoje.
Casou-se aos 17, comenta. 
As contas não batem, mas não há quem possa esclarecer!
Meu marido é seu filho caçula e eu sou a nora...
Nora... Mas quando alguém pergunta, ela já não sabe mais responder nora de qual dos seus 4 filhos homens!  
Uma pena. 
E uma graça também, porque a gente pode se reinventar quando está com ela e ser qualquer pessoa que quiser: ela acolhe muito bem.
Parabéns D. Teresa!!!


           

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Tempo, tempo

Não que o mal estar tivesse passado subitamente. Meu corpo doía muito e distinguir se era só uma gripe ou qualquer outra coisa é função do médico, não minha, mas estou em dúvida se devo permanecer na espera.

O problema é que aguardo atendimento no PS, mas tenho a sensação de que estou num hospital-escola-maternal, recém inaugurado.

Os atendentes, ao meu ver, não têm mais que 15 anos e os médicos, talvez uns 18! 
São eles que irão “cuidar” de mim? 
Muita gente jovem junta neste lugar.

Fico pensando que o HD do cérebro deles tem muito espaço livre para armazenamento de dados, então devem ter guardado direitinho tudo que estudaram – como eu um dia guardei – e podem fazer um excelente atendimento.

Será?

E a experiência de vida? Enquanto se debruçavam nos livros e nos pseudos pacientes para estudar não deixaram de viver as farras, os erros e acertos próprios da idade?

Bobagem minha.
Claro que esses profissionais viveram a época da faculdade com tudo que têm direito e talvez até um pouco mais. 

Mas uma pulguinha fica atrás da minha orelha resmungando que eles não viveram o suficiente para diagnosticar algumas coisas, ou para compreender o palavreado descritivo dos mais velhos que tentarão relatar o que sentem.
Têm a experiência que a idade lhes permite. E talvez esse seja o problema.

Sei lá!  Estou senilmente(?) confusa.

Aguardo, como todo mundo, que minha senha apareça no painel.

Ainda tenho a chance de sair correndo, voltar para casa e tomar um chá na cama, enquanto leio um livro e espero a suposta gripe passar. Se for dengue o procedimento não será muito diferente – apenas restrições a alguns remédios.

É. Acho que vou para casa.

Vejo que um médico chama a paciente pelo nome, no corredor. 
Se eu encontrasse esse rapaz no meio da rua, o teria por um adolescente terminando o colegial – cabeça cheia de dúvidas sobre qual carreira escolher, pressão, vestibular e paquerinhas.

Socorro! O mundo rejuvenesceu?!! 
Só eu continuo envelhecendo. O tempo não passa para mais ninguém. 
Ou os jovens estão tomando conta do mundo?!!!

Cadê o médico velhinho e compreensivo que conheceu minha avó e meu avô, que me viu dar os primeiros passos? Aquele que só de bater o olho e fazer um rápido exame já dá uns bons conselhos e certeiro diagnóstico.

OK. Estou em pânico a troco de nada!

São jovens esses médicos que me atenderão hoje, mas são profissionais e devem estar super atualizados no uso de recursos para diagnósticos.

2333.  Minha vez!  

Caminho pensando que estou sendo injusta com esse pessoal que nem conheço. 
Lembro-me da dificuldade que sofreram meu irmã e minha irmã, que são profissionais da saúde, pelo mesmo motivo: eram jovens, diplomados e tinham cara de crianças felizes no começo de suas carreiras. Os pacientes mais velhos sempre estranhavam – pensavam que eles eram os auxiliares de sala a preparar o atendimento.

Paciência! Vou abrir a porta, dizer boa tarde e... Oferecer um pirulito?!!

Óbvio que demorei um pouco para arrumar o foco no bigode grisalho que acompanhava o lábio daquele senhor que me cumprimentava e apontava a cadeira para eu sentar.

Não era para ter um imberbe sentado ali?  Cadê o HD limpinho, os escaners, lasers, ressonâncias ?

Um senhorzinho vai me atender? Será que está atualizado? Participou de congressos recentemente?

Pânico de novo!  Agora, pelo motivo contrário.

Estou ficando velha mesmo!   Nada que não combine com chá, repouso e um bom livro lido na cama, conforme recomendação médica recém recebida.