Rita
Confusões
com ligações telefônicas são comuns,
todo mundo sabe.
Número errado, ddi errado.
O “Ô, desculpa, foi engano,” virou mato.
Isso quando quem liga não é o tu-tu-tu-tu.
Falha de dedo. Tecla enroscada. Anotação do número errado!
Os caras se matam para pendurar um satélite na nossa
cabeça e a gente errando apertos.
Aqui em casa é comum ligarem perguntando, no número mais
novo, se é de um tal colégio - porque esse número, algum dia, já deve ter
servido para causas mais nobres do que meus míseros papos com minhas amigas.
Normal.
Mas outro dia foi de doer.
Atendo o número de tantos enganos e a voz masculina já
vai disparando em tom doce, suave, quase sussurrado, mas firme:
Oi Ritinha, sou eu.
Me desculpa por ontem, por favor.
Acho que o sr.
ligou no número errado, respondo.
Não Ritinha. Não
faz isso não, meu amor.
Mas não é a Ritinha.
Ah! Claro. Você
está no trabalho, eu mesmo liguei.
OK. Tá disfarçando, né meu amor?!
Moço, já disse que o sr. ligou no número errado. Aqui é uma residência! Por que eu disfarçaria meu nome no meu
próprio trabalho?
Puxa Rita, você é firme nisso de disfarçar. Gostei. Olha, fica quietinha que eu vou falando. Só ouve, tá meu amor?! É importante eu deixar tudo esclarecido sobre
ontem.
Ai caramba!
Resolvo ouvir que é pra ver se depois ELE me ouve.
Fico quieta e ele prossegue feito uma metralhadora
disparada.
Olha meu amor...Sei que ontem eu fui meio desajeitado,
não fiz muito bem as manobras e acabou saindo tudo muito esquisito.
Ah! Claro!
Manobras!
Fico aliviada.
Deve ser um aluno ligando pra sua professora da auto-escola!.
Não se preocupe, eu respondo. Da próxima vez você vai se sair melhor. Ficou nervoso, ansioso. Também não é pra menos, não é? Mas agora me ouve, por fav....
Ai Rita! Por isso
que gosto de você. Sempre
compreensiva! Pensei que vc não
perdoaria o não conhecer as dimensões, o ritmo que não acertei, o local
inadequado e nada acolhedor...
Calma...hum...
Antoninho. Adoro
quando você me chama de Antoninho.
Calma, Antoninho.
Você terá sua próxima chance.
Vixi! Por que falei isso? Acho que assim ficou
complicado.
Pensei que ele pretendia marcar outra aula, outra
prova...e tentei lembrá-lo de que eu não era a Rita...mas que ficasse
tranquilo.
Mas claro que é!
Conheço essa voz. Aliás agora
conheço tudo de você...inteirinha, todinha...E quero que você saiba que você
merecia um lugar melhor, e uma explosão de emoção...Sei que não foi o que você
sonhava...Mas pelo menos pudemos ficar sozinhos e sem medo de sermos
descobertos...
Meu Deus! Esse
cara é maluco! Aviso que vou
desligar. Que é tudo um grande
engano...que não sou a Rita - embora nessas alturas eu já estivesse encafifada
com o que esse cara pudesse ter aprontado com a tal Rita.
Não, não, não.
Por favor, Rita. Não faz assim.
Não desliga. Estou me abrindo com você.
Pensa que é fácil pra um homem admitir que não foi eficiente? Quero
dizer, foi bom, mas podia ter sido melhor.
Chega!
Desligo o telefone.
Toca de novo e o Antoninho recomeça: Você quer mesmo acabar com tudo assim desse
jeito? Pergunta em tom irônico.
Cruzes! O cara
está espremendo a Rita que não é a Rita, dando satisfações e explicações...
Fico apavorada pensando que quando ele encontrar a Rita verdadeira ele será
todo dócil e gentil, pensando que está tudo esclarecido e ela, que não fará a
mínima ideia de sua franqueza e hombridade, vai lhe dar uma bolsada na
orelha. Porque a julgar pelo que ele diz
foi uma noite desastrosa.
Escute, Antoninho.
Preste bastante atenção: não sou
a Rita. Ligue no número certo e fale
tudo isso a ela. Você deve ser uma pessoa
muito legal, mas eu não sou a Rita e embora tenha entendido suas explicações, não
poderei te dar uma nova chance.
Que é isso Ritinha, sem chances?
Não, Antoninho.
Não sou a Rita, mas se fosse, te daria uma chance, sim.
Ah é? E o que você
faria?
Eu te chamaria pra tentar “manobrar” de novo. Essas coisas requerem intimidade, prática...
Sério?
Sério.
Obrigada, dona.
Agora vou ligar pra Ritinha.
Acho que vou mandar desligar essa linha telefônica.