sexta-feira, 13 de março de 2015

Pensando nas manifestações do próximo dia 15, lembro de minha patética “participação” nas ocorridas em julho de 2013.


Caminhando e Pensando

Lá ia eu, novamente, andando pelo centro da cidade de São Paulo.

Um só fone no ouvido porque preciso saber o que se passa ao redor.
É dia de manifestação. Pelo preço da passagem, pela mobilidade, por isso e aquilo.

São tantos pontos de manifestações pipocando ao mesmo tempo que preciso traçar estratégias para me movimentar na cidade.

Bem ao fundo ouço o coro dos manifestantes cantando o hino nacional.
Peito fica cheio e lembro que quando morei fora do país chorava ao ouvir o hino brasileiro.

Um patriotismo que nunca tive enquanto estava por aqui, mas os acordes misturavam a saudade com a vulnerabilidade de quando se está sozinha e eu chorava em ocasiões banais.

Dessa vez não choro.
Primeiro porque estou no Brasil, segundo porque ainda não decidi se dou aval para essa turma que está saindo nas ruas.
Não sei se os quero como representantes.
Quem são eles? O que querem? E porque me defendem? (sou usuária de todo tipo de transporte público e particular).  Parece que protestam por mais coisas também, mas ainda não sei.
Acho que neste momento todo mundo está questionando esses aspectos numa tentativa de entendimento e assimilação dos fatos.

O raciocínio é simples e simplório para mim: se for para quebrar tudo na cidade não precisa me representar. Tiro meu apoio emocional e social.
Por causa deles, hoje, tenho que caminhar mais do que o normal para chegar ao terminal de ônibus. 

Estou na turma que caminha fora das manifestações.
Andamos a passo de tartaruga. A polícia vai à frente marchando.
O chão está escorregadio e o pessoal faz um silêncio mortal. Só passos lentos e arrastados.

A senhorinha, que vai à minha frente na calçada, anda com passinhos curtos, de gente bem idosa e carrega no colo uma cachorrinha bem peluda, branquinha, com laços de fitas de cor rosa pregados nas orelhas. Uma graça!
Faço careta para a cachorrinha que mexe as orelhas.

Estou com vontade de cantar bem alto o hino.  Mas estou na multidão protegida pela polícia para poder se locomover. Todo mundo quieto.

Os manifestantes estão em frente ao teatro municipal e estou chegando à rua 7 de abril depois de passar em frente à Biblioteca Mário de Andrade.

Centrão mesmo.
Fico torcendo para que a multidão que quer se manifestar não apoquente Verdi, Bach, Bisset, Drummond, Cristovão, Saramago, Hugo Mãe e tantos mais que guardamos e reverenciamos, com zelo, nesses locais.

Continuo atrás da senhorinha que carrega a cachorra. E ela não para de me olhar – por falta de paisagem melhor, eu sei. E porque já mostrei a língua, levantei as sobrancelhas, fiquei vesga e pisquei para brincar com ela.

Claro que a cachorra sempre reagiu da mesma forma, mexendo as orelhas e virando a cabeça em direções diferentes conforme a estranheza às minhas micagens.

Me senti meio boba, sim, se é o que vocês estão pensando.
Além de colocar o pronome no lugar errado no pensamento e no texto, fiquei pensando: quer situação mais tola?

Estou na chuva fina, com o peito cantando o hino nacional, mas estou muda.

Não posso ultrapassar ninguém porque a polícia, supostamente, nos guarda da confusão e mantém um cordão humano logo à frente.

Não estou na multidão de manifestantes que carrega cartazes; só tenho pensamentos. 

Não tenho grito de guerra, nem mobilidade com veículos e, neste momento, nem a pé eu consigo me locomover na cidade.

Nada como fazer caretas para a cachorra de uma desconhecida!!
Distrai. Ajuda o tempo passar. É só prestar atenção no chão.

Está molhado demais, e a sujeira faz aquele pastrame escorregadio virar um sabão.

Lembrei-me do escritor famoso que estava atrás de mim na fila da pipoca do cinema, outro dia.
Querendo ensinar algo de ético, moral e civilizado para seu filho de uns 14, 15 anos, falou um monte na orelha do coitado que só estava interessado nos bumbuns e peitos das moças ao redor.

O sujeito até tinha razão. O problema foi o formato do ensinamento: o discurso.
Certas coisas só ensinamos com a prática, por meio do exemplo, acrescidos de boas leituras e boa educação que tragam conhecimento.
Além do mais, hormônios costumam ensurdecer e dar pipocas quando os pais falam com seus filhos adolescentes.  Uma alergia da idade!
Pela expressão do garoto, a falação do escritor entrou por um ouvido e saiu pelo outro.
As passeatas e manifestações talvez tenham o mesmo efeito: nadica de pitibiribas nas orelhas e olhos dos governantes!!

Ou não?! Talvez consigamos mostrar que estamos fartos de não termos o básico nesta cidade.

Estou ficando ensopada, apesar da sombrinha. O vento faz a garoa fininha vir por todos os lados e a senhorinha mudou a cachorrinha de ombro e continua me olhando.
Agora, tapo o nariz porque há um cheiro estranho no ar e não sei se os gases que a polícia usa têm cheiro ou não. Cubro o nariz com o cachecol e presto atenção no chão porque chegamos na escada.

Descida para o terminal Bandeira. Escada do metrô está interditada para evitar mais confusões, eu suponho. Ouço barulho abafado de explosões.

A cachorrinha fica agitada – acho que é por causa do cheiro e porque tapei o nariz. Olhos fixos em mim. Levanto a sobrancelhas para ela e desço o primeiro degrau.

O hino nacional está sendo recomeçado e agora parece muito mais perto do que antes.

Desço o segundo degrau e acho que ele está muito estreito, pequeno.
Quem fez essa escada antiquíssima calçava número 31.
Não cabe o pé da gente!

Sempre achei esses degraus muito estreitos, mas hoje, especialmente, eles parecem menores.
Coloco mais um pé para baixo, mas não acho o degrau e escorrego o pé tentando encontrar um maldito degrau e vou deslizando até que... Caio de bumbum no chão mais sujo da cidade.

Eca! Que nojo!

Ainda vejo a cachorra olhando para baixo, tentando escalar o ombro da senhorinha para acompanhar o meu desaparecimento. E ainda percebo a dona ajeitando novamente a coitada no ombro. Mas elas se vão.

Tenho certeza que aquela fofurinha usando laços queria avisar alguém que eu havia ficado para trás, estatelada no chão.

Levantei, acompanhei o canto do hino – desta vez com toda a força que pude cantar e cheguei no ponto do meu ônibus.

Lotadaço! Cheinho da silva!
Fila quilométrica e eu tive de esperar um monte para embarcar em um que estivesse mais livre, mas que acabou ficando lotado também.

Minha sorte foi que eu estava bastante molhada e suja – ninguém queria encostar em mim. Até que fui bem acomodada.

Acho que vou começar a me lambuzar com lama antes de tomar uma condução. 
Quem sabe não sobem na minha cabeça como tem acontecido quando estou limpa.

Pensando bem, acho que, em breve, vou me posicionar com relação ao pessoal da manifestação.


 *******

O link abaixo é para matéria de 13 de julho de 2013, da Folha de São Paulo. 
É uma entrevista do sociólogo italiano, Paolo Gerbaudo, sobre as manifestações e democracia, no Brasil e no mundo.
Achei interessante, pois as colocações servem também para o momento atual.  

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/117886-objetivo-de-manifestacoes-e-nova-forma-de-democracia.shtml

Um comentário:

  1. Demorei, mas cheguei. Ótima ideia publicar esse relato às vésperas das manifestações de 15/3. Queria muito que você tivesse ido e escrevesse também. Olha, a revista Piauí mandou lembranças.

    ResponderExcluir