Caminhando e
Pensando
Lá ia eu,
novamente, andando pelo centro da cidade de São Paulo.
Um só fone no ouvido
porque preciso saber o que se passa ao redor.
É dia de
manifestação. Pelo preço da passagem, pela mobilidade, por isso e aquilo.
São tantos pontos
de manifestações pipocando ao mesmo tempo que preciso traçar estratégias para
me movimentar na cidade.
Bem ao fundo ouço
o coro dos manifestantes cantando o hino nacional.
Peito fica cheio e
lembro que quando morei fora do país chorava ao ouvir o hino brasileiro.
Um patriotismo que
nunca tive enquanto estava por aqui, mas os acordes misturavam a saudade com a
vulnerabilidade de quando se está sozinha e eu chorava em ocasiões banais.
Dessa vez não
choro.
Primeiro porque
estou no Brasil, segundo porque ainda não decidi se dou aval para essa turma
que está saindo nas ruas.
Não sei se os
quero como representantes.
Quem são eles? O
que querem? E porque me defendem? (sou usuária de todo tipo de transporte
público e particular). Parece que
protestam por mais coisas também, mas ainda não sei.
Acho que neste
momento todo mundo está questionando esses aspectos numa tentativa de
entendimento e assimilação dos fatos.
O raciocínio é
simples e simplório para mim: se for para quebrar tudo na cidade não precisa me
representar. Tiro meu apoio emocional e social.
Por causa deles,
hoje, tenho que caminhar mais do que o normal para chegar ao terminal de
ônibus.
Estou na turma que
caminha fora das manifestações.
Andamos a passo de
tartaruga. A polícia vai à frente marchando.
O chão está
escorregadio e o pessoal faz um silêncio mortal. Só passos lentos e arrastados.
A senhorinha, que
vai à minha frente na calçada, anda com passinhos curtos, de gente bem idosa e carrega
no colo uma cachorrinha bem peluda, branquinha, com laços de fitas de cor rosa
pregados nas orelhas. Uma graça!
Faço careta para a
cachorrinha que mexe as orelhas.
Estou com vontade
de cantar bem alto o hino. Mas estou na
multidão protegida pela polícia para poder se locomover. Todo mundo quieto.
Os manifestantes
estão em frente ao teatro municipal e estou chegando à rua 7 de abril depois de
passar em frente à Biblioteca Mário de Andrade.
Centrão mesmo.
Fico torcendo para
que a multidão que quer se manifestar não apoquente Verdi, Bach, Bisset,
Drummond, Cristovão, Saramago, Hugo Mãe e tantos mais que guardamos e reverenciamos, com zelo, nesses locais.
Continuo atrás da
senhorinha que carrega a cachorra. E ela não para de me olhar – por
falta de paisagem melhor, eu sei. E porque já mostrei a língua, levantei as
sobrancelhas, fiquei vesga e pisquei para brincar com ela.
Claro que a
cachorra sempre reagiu da mesma forma, mexendo as orelhas e virando a cabeça em
direções diferentes conforme a estranheza às minhas micagens.
Me senti meio
boba, sim, se é o que vocês estão pensando.
Além de colocar o
pronome no lugar errado no pensamento e no texto, fiquei pensando: quer
situação mais tola?
Estou na chuva
fina, com o peito cantando o hino nacional, mas estou muda.
Não posso
ultrapassar ninguém porque a polícia, supostamente, nos guarda da confusão e
mantém um cordão humano logo à frente.
Não estou na
multidão de manifestantes que carrega cartazes; só tenho pensamentos.
Não tenho grito de
guerra, nem mobilidade com veículos e, neste momento, nem a pé eu consigo me
locomover na cidade.
Nada como fazer
caretas para a cachorra de uma desconhecida!!
Distrai. Ajuda o
tempo passar. É só prestar atenção no chão.
Está molhado
demais, e a sujeira faz aquele pastrame
escorregadio virar um sabão.
Lembrei-me do
escritor famoso que estava atrás de mim na fila da pipoca do cinema, outro dia.
Querendo ensinar
algo de ético, moral e civilizado para seu filho de uns 14, 15 anos, falou um
monte na orelha do coitado que só estava interessado nos bumbuns e peitos das
moças ao redor.
O sujeito até
tinha razão. O problema foi o formato do ensinamento: o discurso.
Certas coisas só
ensinamos com a prática, por meio do exemplo, acrescidos de boas leituras e boa
educação que tragam conhecimento.
Além do mais,
hormônios costumam ensurdecer e dar pipocas quando os pais falam com seus
filhos adolescentes. Uma alergia da
idade!
Pela expressão do
garoto, a falação do escritor entrou por um ouvido e saiu pelo outro.
As passeatas e
manifestações talvez tenham o mesmo efeito: nadica de pitibiribas nas orelhas e
olhos dos governantes!!
Ou não?! Talvez
consigamos mostrar que estamos fartos de não termos o básico nesta cidade.
Estou ficando
ensopada, apesar da sombrinha. O vento faz a garoa fininha vir por todos os
lados e a senhorinha mudou a cachorrinha de ombro e continua me olhando.
Agora, tapo o
nariz porque há um cheiro estranho no ar e não sei se os gases que a polícia
usa têm cheiro ou não. Cubro o nariz com o cachecol e presto atenção no chão
porque chegamos na escada.
Descida para o
terminal Bandeira. Escada do metrô está interditada para evitar mais confusões,
eu suponho. Ouço barulho abafado de explosões.
A cachorrinha fica
agitada – acho que é por causa do cheiro e porque tapei o nariz. Olhos fixos em
mim. Levanto a sobrancelhas para ela e desço o primeiro degrau.
O hino nacional
está sendo recomeçado e agora parece muito mais perto do que antes.
Desço o segundo
degrau e acho que ele está muito estreito, pequeno.
Quem fez essa
escada antiquíssima calçava número 31.
Não cabe o pé da
gente!
Sempre achei esses
degraus muito estreitos, mas hoje, especialmente, eles parecem menores.
Coloco mais um pé
para baixo, mas não acho o degrau e escorrego o pé tentando encontrar um
maldito degrau e vou deslizando até que... Caio de bumbum no chão mais sujo da
cidade.
Eca! Que nojo!
Ainda vejo a
cachorra olhando para baixo, tentando escalar o ombro da senhorinha para
acompanhar o meu desaparecimento. E ainda percebo a dona ajeitando novamente a
coitada no ombro. Mas elas se vão.
Tenho certeza que
aquela fofurinha usando laços queria avisar alguém que eu havia ficado para
trás, estatelada no chão.
Levantei,
acompanhei o canto do hino – desta vez com toda a força que pude cantar e
cheguei no ponto do meu ônibus.
Lotadaço! Cheinho
da silva!
Fila quilométrica
e eu tive de esperar um monte para embarcar em um que estivesse mais livre, mas
que acabou ficando lotado também.
Minha sorte foi
que eu estava bastante molhada e suja – ninguém queria encostar em mim. Até que
fui bem acomodada.
Acho que vou
começar a me lambuzar com lama antes de tomar uma condução.
Quem sabe não
sobem na minha cabeça como tem acontecido quando estou limpa.
Pensando bem, acho
que, em breve, vou me posicionar com relação ao pessoal da manifestação.
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O link abaixo é para matéria de 13 de julho de 2013, da Folha de São Paulo.
É uma entrevista do sociólogo italiano, Paolo Gerbaudo, sobre as manifestações e democracia, no Brasil e no mundo.
Achei interessante, pois as colocações servem também para o momento atual.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/117886-objetivo-de-manifestacoes-e-nova-forma-de-democracia.shtml
Demorei, mas cheguei. Ótima ideia publicar esse relato às vésperas das manifestações de 15/3. Queria muito que você tivesse ido e escrevesse também. Olha, a revista Piauí mandou lembranças.
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