segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Colorindo o outubro rosa





Confesso que fui para a exposição de Frida Kahlo com o rosinha básico do outubro-alerta pregado no peito.  Um brochinho gracioso que ganhei.

Mas fiquei pink quando cheguei lá e vi que a exposição é chamada: “Frida Kahlo – Conexões entre mulheres surrealistas no México”.  Imaginem a riqueza de conteúdo!

Saí com uma paleta imensa de cores!! Sensação de cheiro de tinta a óleo pregada no nariz. Figuras e imagens passeando insistentemente na caixola da leiga aqui.

Uma surpresa que me fez repensar tudo que ia escrever.

Na internet tem muita informação a respeito de Frida, Tomie e o Instituto Tomie Ohtake, então não vou contar o que já está mais do que contado. 

Vou ficar só no propósito da exposição e os aspectos que podem ser destacados dessas duas figuras femininas que são tão emblemáticas.

Como o nome da exposição já diz, não estão expostas obras só de Frida Kahlo que, ao longo da vida fez apenas 143 trabalhos, mas de um grupo de mulheres que tinha em Frida o eixo de um diálogo cultural no momento da arte surrealista do México. 

Além de amigas, essas mulheres compartilhavam a sensibilidade aguçada nas artes que faziam. Muitas são mecenas (Natasha Gelman para Frida, por exemplo) e completam o grupo no que diz respeito à ajuda e apoio artístico, com aberturas de galerias e exposições exclusivas, críticas de arte em revistas de destaque etc.

Foi brilhante o trabalho da curadora Teresa Arq ao reunir as obras  fazendo um recorte muito específico daquele momento artístico. Além das telas há fotos, desenhos, esculturas, jornais, roupas etc

Deve ter dado um trabalhão pesquisar, conseguir trazer o material e organizar. Muita coisa é de acervo particular.  O resultado é excelente.

O surrealismo já estava instalado e assimilado na Europa quando esse grupo de mulheres avança no conceito desta corrente artística  – desprezando convenções (que é a marca do movimento), com o detalhe de elas extrapolarem as fronteiras incorporando imagens fortes, cores e traços impositivos, assimilando a cultura nativa mexicana às obras.

Muito interessante o conceito todo porque se o surrealismo já era dar asas ao onírico, ao acaso e ao inconsciente, nas mãos delas a arte fica potencializada, reforçada e cheia de elementos típicos do país – com cores e temáticas muito peculiares.

Elas fazem, inclusive, catarse de seus momentos particulares sem nenhum pudor e com muita habilidade - o aborto que Frida sofreu e as dores reumáticas II (foto ao lado) de Remedios Varo estão registras em telas e são chocantemente belas! 

E como esse grupo virou grupo?

Época de guerra na Europa – algumas se mudaram para o México para sempre. Duas delas são americanas.

Elas já participavam do movimento surrealista em seus países – direta ou indiretamente (algumas eram esposas de artistas) e haviam conhecido a cultura mexicana através de Frida, em 1938, numa viagem que ela fez a Paris. 

Outras foram visitantes esporádicas e amantes da cultura mexicana que realizaram obras onde se vê claramente a influência e a assimilação cultural que seus passeios imprimiram em suas percepções.

São várias mulheres e não vou listar o nome de todas para não alongar o texto. As que mais saltaram aos meus olhos de leiga foram Maria Izquierdo, Rosa Rolanda, Remedios Varo. Mas há muitas outras – todas cheias de cores e criatividade fantásticas.

Quadros que no Realismo eram chamados de “natureza morta”, nas mãos delas não tem nada de morto – frutas têm feições de bicho, a folha é um gafanhoto e assim vão. María Izquierdo nomeia uma de suas telas de “Natureza viva”.  A foto ao lado é de quadro de Frida: "Noiva assustada ao ver a vida" - 1943.

Das cabeças de seus personagens saem de tudo: bichos, plantas, enfeites, esboços irreconhecíveis.  Ou são cabeças que suportam de tudo.

Uma delícia identificar ou, pelo menos, tatear o pensamento e os significados registrados nas obras.  Minhas minhocas tiveram companhias ímpares desta vez.

E ver obras originais é uma emoção incansável.

Frida sempre me chamou a atenção em duas características:  por parecer que ela mesma, por si só, era uma obra de arte viva com seus vestidos coloridos, apetrechos e enfeites enormes – aspecto que só ficou reforçado coma esta exposição nas muitas fotos apresentadas. 

E pelo lado pessoal no que diz respeito à perseverança: foi uma menina que teve poliomielite e como sequela ficou manca; depois, adulta, sofreu um grave acidente e passou muito tempo na cama – com dores e todas as dificuldades que podemos imaginar.

Ainda assim, pintava.  Deitada.

Essa persistência em fazer arte apesar dos percalços da vida é algo para ser notado e destacado. 

Tomie Othake –  não teve todas essas dificuldades com a saúde – pelo contrário, foi longeva e ativa até o final de sua vida.  


Mas imaginem o que foi para uma mulher de origem oriental, que até os 40 anos foi dona de casa e mãe, cuidado exclusivamente de rotinas familiares, deixar vir à tona sua arte adormecida - ela dizia que desenhava muito na infância.




Quando resolveu desenhar e pintar novamente, o fazia em sua pequena sala de visitas e dizia que trabalho faz bem sempre.




No caso dela, o trabalho era arte naquele momento.

E que arte essa nossa artista plástica produziu! 





Muitas de suas obras estão espalhadas pela cidade e você pode ver outras que estão sempre expostas no ITO – num local separado e sempre acessível.
  
A foto abaixo é do Instituto - que foi desenhado por seu filho Ruy Ohtake.







Não é fácil manter a antena ligada em meio a dificuldades e rotinas.





Muitas mulheres vão sendo atropeladas e engolidas por tarefas e momentos que lhes parecem mais urgentes, ou por se acomodarem em situações complicadas, e acabam por deixar para lá suas habilidades artísticas.

Espero que sejam bem poucas a desprezar suas percepções porque precisamos disto tudo, desta dinâmica de vida cheia de altos e baixos, permeada e exposta na arte.

Então o recado é este: não se deixem atropelar tanto que além de não prestarem atenção às habilidades artísticas, não cuidem de suas saúdes também.

É mês de chamada para cuidar da saúde feminina, principalmente a prevenção do câncer de mama. Então vamos aos exames médicos.

E já que somos assim, persistentes e plugadas em várias tomadas, vamos fazer o pacote todo e já marcar os exames para os companheiros e companheiras também!!






Quem sabe passamos de outubro rosa
 para multicolorido!

domingo, 11 de outubro de 2015

Quanta emoção!

Esse texto está atrasado!  É sobre a última semana de setembro e o início de outubro.

Mas acho que ainda tá valendo!  



Que semana recheada de emoções!

Quase insuportável aos Ticos e Tecos neurais de qualquer pessoa a assimilação de tanta informação carregada de consequências, no mínimo, históricas.

Não será possível comentar todas, mas vamos a algumas!

Alguém aí não imaginou umas bacteriazinhas verdes acenando e dando uma piscadela aos espiões humanos e seus carrinhos-robôs?

E viva a água salobra encontrada no planeta vermelho, Marte!

No mínimo estranho esperarmos por seres verdinhos num planeta avermelhado pelo dióxido de ferro presente naquela atmosfera em altas proporções.  Mas nosso imaginário é enorme, divertido e colorido.

A descoberta não resolverá nossos problemas do planeta azulzinho (e olha a cor aí de novo, gente!), mas dá um certo alento pensar que, se um dia tivermos de fugir daqui, já sabemos para onde poderemos ir. Dá para fazer oxigênio com as moléculas de perclorato que encontraram por lá. Coisas de cientista - não me perguntem como se faz, tá?!

E o fatiamento político administrativo feito em nome da governabilidade?

Vejam bem: não questiono esse ou outro partido. 
Tenho problemas com coisas que já têm no nome uma partição porque dentro dos tais partidos (que já são partições de ideias maiores) há trocentas alas, fações e divisões, me dando a impressão de que vamos chegar às moléculas, átomos, elétrons e prótons que constituem as coisas, mas não às questões básicas necessárias para administração pública.

E política deveria ser cuidar e administrar o bem público. Só isso. Os mecanismos criados para que isso seja possível deveriam ser simples e transparentes. Mas ficou tudo tão complicado!

A democracia começou com votações feitas com pedrinhas num cesto qualquer e não precisaríamos voltar aos cascalhos, mas ao básico do conceito talvez fosse uma boa e oportuna lembrança.

É fatal pensar na Suécia - o país mais igualitário do mundo - e seus modelitos administrativos admiráveis. Foi um processo. Não uma mágica. E funciona.

Também é fatal ter a sensação de que os políticos de hoje em dia – não só de nosso país – viraram um bando. Um bando de crianças mimadas que chutam o tabuleiro quando jogam o dadinho e sai o número azarado! “Retornar ao início do jogo” diz o tabuleiro. 
Então nada como chutá-lo! Solução de criança birrenta é assim.

Sem contar que não tenho boa memória e quando consigo guardar o nome e o ministério ou cargo de alguém, logo vem uma mudança e aí confundo tudo.
Quem era mesmo da casa civil? De que partido? Amigo de quem? O que ele pensava?

Aff!

Fico imaginando os professores de história, daqui a alguns anos, explicando esse momento político do Brasil e do mundo.  Coitados dos alunos. Vai ser dureza. Mas nada que um gráfico gigantesco de pizza desenhado na lousa não consiga resolver.

Outra notícia que deveria ser tão explosiva quanto a da confirmação de existência de água em Marte saiu há uns meses atrás e vem ecoando devagarinho:   um estudo do Observatório da Terra Lamont-Doherty, da Universidade de Columbia, USA afirma que a seca influenciou a vida política e social e, consequentemente, as guerras na Síria.

A seca por lá não é fato recorrente. É um lugar naturalmente árido mas a seca entre 2006 e 2010 foi sem precedentes na história daquele lugar. Os cientistas acreditam que a mãozinha do homem ajudou na alteração do clima local.

E como isso ajudou a gerar as guerras?

Basicamente funcionou assim: quando o povo sírio migrou do campo para a cidade, porque não tinha chuva para plantar, não encontrou o que precisava e começou a pressionar o governo que achou que a solução era reprimir os insatisfeitos.

Aí vieram grupos extremistas reivindicar seus interesses, acabando por atrapalhar qualquer tentativa de endireitar a situação. Isso vem ocorrendo há 4 anos – Angela Merkel que o diga.

Claro que estou falando em linhas grosseiras e gerais e a seca não é o único fator da guerra por lá, mas infelizmente, e, enfim, a confirmação científica do que cientistas, historiadores, geógrafos e sociólogos sempre disseram: o efeito dominó das mudanças climáticas vai além de derretimento de geleiras e elevação dos níveis dos mares. 

Também será difícil para os professores do futuro ensinarem sobre esse assunto. Mas imagino que os alunos, em suas classes-bolhas-de-ar-purificado e protegida de radiação, já serão seres mais lapidados no espírito humanitário e acharão o fato apenas um tropeço da humanidade – algo que ficou no passado e que não mais ocorrerá.

E para fechar, porque já está enorme, só mais duas, sobre saúde.

Uma ruim: em nosso país, todo ano, morrem mais de 200 mil pessoas por falta de acesso a tratamento quimio e radio terápico.  Mais ou menos o mesmo número de mortos nos quatro anos de guerra na Síria.

Triste isso.

Que eu saiba, produzem melão no deserto do Saara!

Uma boa: a partir desta semana, pessoas com deficiência na audição e fala, contarão com tradutores na hora da consulta em hospitais públicos de São Paulo.

Também produzem melancia no deserto.

Semana que vem tem mais.

Para manter o rosa deste outubro, falarei um pouco de duas mulheres extraordinárias: vou visitar a exposição da Frida Khalo, no Instituto Tomie Ohtake.

Além de comentar um pouquinho sobre as duas, contarei para vocês como foi a experiência de não me sentir só com plantas, flores e bichos na cabeça – para não dizer minhocas!



sábado, 3 de outubro de 2015

Refém

Uma borboleta amarela esbarrou em Rubem Braga em pleno Rio de Janeiro, me lembrei, assim que tudo começou.

O fato gerou uma crônica simpática e muitos comentários dado o desfecho inusitado. Depois o título foi adotado em um livro seu de contos e crônicas: A borboleta amarela.

Talvez eu devesse, então, achar normal que uma abelha me atropelasse em plena São Paulo.

Digo atropelar porque ela veio ao meu encontro de repente, do nada e sem rodeios.
Espantei a dondoca voadora que queria pousar na minha mão, no meu braço, nos cabelos.
Ela desviou, mas voltou.

Socorro, mestre Rubem!!!  
Borboletas são delicadas e as cenas narradas sobre elas ficam leves e até românticas. 
Abelhas são outra estória. Têm ferrões.

E de novo lá vem ela tentando pousar na minha mão.
Amarela também.  Com listras pretas.
Começo a achar que não é nada normal uma abelha atropelar e cismar com alguém.

Enquanto a borboleta de Rubem saiu animada visitando a cidade como a conhecê-la e admirá-la encantando o cronista que a perseguiu em seus volteios, a abelhinha queria colo, aconchego, um lugar para ficar.
Eu não usava perfume, não bebia, nem comia,  mas a bendita me fez pensar que mamãe havia passado açúcar em mim.

O espaço entre encanto e espanto é o estranhamento e é aí que estou.

De onde surgiu a solitária e por que literalmente quer grudar em mim?  
Medo de alguma coisa? Não parecia em alerta.

Eu a teria perseguido na lembrança do texto, na gostosura do voo e provavelmente teria sentido que ela me pertencia como Rubem com a borboleta amarela, se ela rodopiasse ou fizesse uns voos charmosos.

Mas ela realmente queria aterrissar em mim.  Não conhece a crônica a pequenina – ou poderíamos interpretá-la como uma homenagem ao escritor – versão paulista com adaptação do animal na proporção da dureza da cidade.

Usava o celular para digitar e deixei que ela pousasse em minha mão para ver o que faria e ela pareceu apenas inspecionar o local: pele com pigmentos alterados, poucos pelos, montanhas feitas de veias e artérias, dobrinhas e rugas. Tudo verificado.  Pareceu aprovar.

Continuei escrevendo no celular e ela lá. Curiosa, tentou andar na tela. Escorregou e voltou para minha mão.
Ok. Foi legal o encontro, mas agora vai passear e descobrir o mundo, vai!! Cadê sua colmeia?

Talvez abelhas sejam surdas. Não sei.
O fato é que ela queria ficar em mim. Não era perto, nem ao redor.
Era em mim.

Tudo bem!!
Penso em fingir ser uma flor que brotou no calçadão da cidade.
Flor de cacto atrai abelhas?
Uma fruta?  Jaca é bem cheirosa.

Os cientistas dizem que se as abelhas sumirem da face da Terra não teremos mais alimentos.  Elas fazem parte de nossa cadeia alimentar indiretamente, então tentei ser complacente.
Dois terços dos alimentos que utilizamos são cultivados com a ajuda das abelhas.  Maçãs são assim.
Uso a lembrança como argumento para ter paciência com a nova companheira que continua na minha mão, mesmo enquanto digito. 
Não se importa com os pulinhos dos dedos e o rodar do celular que por vezes faço para enxergar melhor a tela.

Já sei!
Ela consegue ler o texto e deve estar gostando porque permanece.

Socorro, Rubem!. Preciso de um desfecho igual ao seu!
Mas parece que não vai rolar.

Aguardo um ônibus e estou começando a ficar preocupada.
Como fazer quando ele chegar?  Espanto a coitada e entro correndo e gritando pro motorista: fecha, fecha, feeechaaa a porta!!

É uma ideia, mas terei que ser a última a entrar ou a abelhinha vai acabar aproveitando a entrada dos outros passageiros. Sem contar que o motorista pode achar que minha pressa é alguma possibilidade de assalto.  Seria uma confusão.

Também posso deixá-la no dedo, fingir que é um anel e levá-la para conhecer meu bairro.
Bonito lá. Ela vai gostar, tenho certeza. Muito arborizado.

Mas talvez não seja uma boa ideia porque se ela resolver voar dentro do ônibus pode assustar o pessoal.
Que enrosco!

Como disse um amigo querido, eu só queria voltar em paz para casa!! será o título de meu livro de crônicas – se eu um dia o fizer. Tudo acontece nesse momento de retorno, se eu estiver usando os coletivos. 
Parece uma sina!!!   Se estou com meu carro, tudo corre normal, embora muitas vezes eu esqueça onde tenha estacionado e aí são outras encrencas que eu mesma causo. 

A mulher que aguarda o ônibus ao meu lado já tentou espantar a coitada.
Não sei quem é mais louco. A abelha ousadinha que me adotou ou a mulher que quis tirá-la da minha mão?

A mão é minha, dona! Deixo o que quiser nela, penso já com certo ciúme do bichinho.

Agradeço a tentativa de proteção e fico intrigada com a intromissão.
Pode?  E se fosse minha abelha de estimação?
Estou quase lá.

E o ônibus vai chegar, avisava meu celular.  
E nada da abelha ir procurar suas semelhantes.
Ando um pouco na calçada, abanando o braço.
Chacoalho a mão. 
Dou peteleco.
Ela sai e volta.

Começo a rir sozinha.
Já estou na página dois e ela continua em mim. O texto começa a ficar meio atrapalhado.

Que mico!
Se eu contar, ninguém vai acreditar!  Refém de uma abelha!

E o ônibus chega e eu fico aflita e dou uma empurrada básica na Grudentilda (É, gente. Acabei por dar um nome a ela).
Mas acho que ela não gostou do nome e do empurrão, pois me meteu o ferrão e saiu voando num zigue-zague amalucado.

Não gritei de dor, mas devo ter ficado roxa porque o motorista do ônibus viu e arregalou os olhos perguntando: quer álcool dona? Tenho aqui.

Ô, Rubem!! Falei que precisa de um desfecho semelhante ao seu. 

Valeu, Grudentilda! Foi um prazer doído e inchado te conhecer!!