Detesto filas.
Aliás, não conheço
alguém que goste.
Além de nos deixar
impotentes na espera, fazem a gente pensar na morte da bezerra, ouvir as
conversas ao redor, lembrar que temos pés e circulação sanguínea, tatear a vida
em pensamentos soltos e embaralhados até a gente parar de dar voltas em volta
da lâmpada e constatar a ridícula situação em que está.
Um devaneio que
termina no fim da fila.
Para agravar a
situação, como um enfeite de mal gosto numa cena dantesca, reparem nos milhares
de sons que invadem seu cérebro, do nada, sem pedir licença alguma enquanto se
está numa fila.
Apitos, assovios,
músicas de todos os estilos e gostos compõem os alertas e toques de celulares,
joguinhos eletrônicos, bips, mensagens e afins.
E tem sempre o
distraído com o celular morrendo de esgoelar o toque infernal: “Papai!
Me atende... Papai! Me atende!... Papai! Me atende,
PORRA!” num crescer de
volume de dar calafrios na Gloria Kalil.
Mas como papai está tagarelando com alguém que
ele acabou de conhecer na fila – estão reclamando da fila, claro! – então o papai-porra não ouve o seu próprio
celular e fica olhando para os lados, incomodado com o som que pensa ser do
aparelho de qualquer outra pessoa, menos o dele.
Chega a comentar
com o desconhecido – agora quase amigo íntimo – que algum bobo está com o
telefone tocando feito louco.
O desconhecido
sorri amarelo, verifica todos os apetrechos eletrônicos que está carregando
para se certificar de que não é nada dele e volta a prestar atenção na
conversa.
O celular para de
chamar o papai distraído. Ninguém por perto atendeu celular algum, então parece
que o filhinho gritão desistiu.
Deve estar ligando
no celular da mãe, cujo toque deve ser “Mãe!
me atende... Mãe, me atende, vai! Mãe, me
atende porque já tentei o PORRA do papai e ele não atendeu!!”
Posso imaginar a
cara de apavorada da mãe naqueles zilhézimos de segundos, tentando entender o
que está ocorrendo, enquanto procura o celular na bolsa gigantesca – é o meu? Papai não atendeu? É meu filho! Que
será que aconteceu?
Algum dia ainda
veremos manchetes do tipo “mãe recebe ligação em celular e morre”. No corpo da matéria a simples explicação de
ela ter assustado com o toque de seu próprio celular e infartado.
E claro, a fila
não anda.
Os jetsons –
aquele desenho animado que mostra o dia-a-dia de uma família do futuro – tinha
resolvido o problema de espera em filas: todos sentados em banquinhos que
andavam conforme o lugar seguinte ia vagando.
Percebem os
detalhes? bancos; sentados. São os
bancos que andam.
Cadê? Já não
estamos no futuro?
A que você
escolher será sempre a mais lerda. Se você trocar porque a outra está andando,
com certeza ela também vai empacar.
Natural. A grama do vizinho sempre parece mais verde,
mas é igualzinha a sua.
A fila também.
O tal celular do
pai bocó começou a tocar novamente. Todo
mundo olha para o lado de onde vem o som, mas agora o pai já está embalado numa
conversa de rodinha – várias pessoas participam de uma tagarelice animada. E o
PORRA do pai não atende o diacho do telefone.
Talvez alguém
devesse avisá-lo sobre seu celular, mas parece que há um certo sadismo no ar.
Talvez indiferença seja a palavra mais adequada.
Cabecinhas
pensando “cada um tem o filho/pai que merece”.
Mas o toque do
celular é opcional, né gente?! E o volume dele também!
Estou quase lá. A
fila andou um pouco. Atendimento demorado, mas parece simpático.
Falta só mais um
pouco para eu sair do circo dos horrores – agora moderno e informatizado, quem
diria!
Alguém resolveu
avisar o infeliz do pai sobre as chamadas e ele está falando ao telefone... Ligou? 5 vezes? Não!! Deixa eu ver. Ah, foi mesmo. Ué? Será que está no silencioso? É? Fala,
filho! Que foi?!!
Os balõezinhos de
comentários acima das cabeças das pessoas têm aqueles símbolos
impronunciáveis. Então deixa pra lá.
Chegou minha vez
de ser atendida!
Mas sabe?
Já não lembro mais
o que fui fazer ali.
Peço para a
atendente me dar um tempo para lembrar qual era o meu assunto. Mas a careta dela me provoca um impulso
incontrolável e eu digo que fui lá reclamar da fila.
A careta dela
piora e eu explico que só estou ganhando um tempo para lembrar de
A atendente parece
uma caricatura da estranheza, personificada.
Ah! Lembrei!
Você pode me ajudar a configurar o toque do meu celular? – não está
tocando, só vibrando. Acho que está com defeito.
Será?