terça-feira, 17 de março de 2015

Madame Pobre

(Peripécia de madame pobre para comprar livros)


Madame pobre é a pessoa que está sem trabalhar fora de casa, dispensou a empregada
para ajudar no orçamento doméstico e, portanto, tem que fazer as tarefas da casa.  
Pode fazer os trabalhos no momento que quiser.
O resto do tempo pode ler, escrever ou olhar o dedão do pé e as nuvens.
Para efetuar algum gasto, a madame pobre - que não está trazendo recurso algum para
a família - precisa negociar com o marido.

Por exemplo, se ele vai ao jogo de futebol e você não gosta de futebol (porque não é capaz nem de dizer se a bola foi chutada "com efeito" ou se chutaram para o lado certo), mas ele faz questão da sua companhia, você negocia o valor de ingresso para ser usado em outras coisas e até faz a tal companhia ficando nos arredores do estádio.
Num shopping.
Que tem livraria e cinema.
E a livraria é a Cultura. Além dos seus livros você quer ver se tem uma revista literária para um amigo.  É por sugestão deste amigo que você já sabe quais livros irá comprar hoje.

Você combina, então, de tomar um café com o marido e ir ao cinema e à livraria. Pode gastar o valor do ingresso e tem quase 4h para isso.
O cinema te tomaria 2h do passeio e seria o valor de um livro pequeno. Tinha apenas um filme que te interessava um pouco.
Então você vai para a livraria e deixa para voltar ao cinema dali meia hora e repensar se quer assistir ao filme ou não.

Mas, na livraria o mundo tem outra conotação, você fica em outra dimensão, o tempo obedece os encantos das leituras permitidas em poltronas confortabilíssimas e você lá, abduzida pela imaginação e a dúvida. Mesma obra, edições diferentes. 

Quero em prosa, tem?  A mulher traz uma pilha de livros. Todos em poema.
Não tem o da Cultrix?
Edição da Odisseia, Cosac Nayfi, que tem as fotos é magnífica. 
Quero essa, quero essa! 

A vendadora, acabando com sua empolgação, avisa que é bem mais cara que a outra e que a diferença são as fotos - você confere e começa a ler porque já escolheu outros dois livros e separou.
Aí você perde o horário do cinema e a poltrona confortável porque foi falar com a vendedora e pagar a conta toda.  
Edição mais simples da Odisseia está de bom tamanho para uma madame pobre.

O Café da livraria está lotado.
Você tem que procurar outro lugar para sentar e continuar lendo porque já está fisgado pelo livro que acabou de comprar.
Haruki Murakami que te perdoe, mas você acha que vai começar outro sem terminá-lo, embora não seja seu costume abandonar uma leitura.

Detalhe: você descobre, depois, que deveria ter postado no Instagram (nunca lembra que ele existe) que fazia a tal compra. 
Seu amigo que sugeriu os livros que você está comprando, está postando, naquele mesmo momento, a compra do livro que você recomendou a ele.  Que alegria!

Mas você não sabia e nem pensa nisso porque está envolvida no mundo mitológico onde há ciclopes atuantes e as pessoas nascem de ovos, encolhem-se dentro dos maridos, transam com cisnes,  nascem adultas, e têm poderes e características extraordinários. Momento da história quando passamos da oralidade para a escrita no contar estórias.

O Café do cinema tem balcão para uso de computador e mesas pequenas num ambiente aconchegante.
Você toma muito café, chocolate e água que é para poder continuar lá sentado, lendo. Talvez passe mal depois porque essa mistura de tomação não é das melhores.

Um senhor que usa o computador sorri em cumplicidade - vocês 2 fazem uso do espaço como se esperassem alguém sair do cinema.  Você realmente esperava alguém. Mas a saída era do estádio. Já o senhor, pelo sorriso torto, estava enrolando mesmo.

O shopping borbulha de gente. Todo mundo esverdeado. Jogo do Palmeiras. O estádio é ao lado do shopping. Os torcedores estacionam ou passam no shopping antes de ir ao jogo.

É uma invasão que o shopping gosta, pois traz muitos clientes.   
Clientes verdes.

Quando te perguntam se você torce para algum time, responde que torce para o jogo acabar logo e todo mundo voltar ao normal. Torcedores são seres coloridos e estranhos. Um mundo que você não entende e nem participa.

Mas isso pouco importa porque você está tentando imaginar a árvore genealógica do deuses. Vai entrar num mundo totalmente novo.  Você desiste da genealogia, mas lê, com atenção, boa parte do comentário que o autor desta edição faz para apresentar a obra. Mais ou menos 100 páginas de informações absolutamente envolventes e esclarecedoras. 
Você espera que a obra seja arrebatadora, mas sabe que talvez lhe falte conhecimento para compreendê-la na sua plenitude e que a absorção seja parcial por pura ignorância sua. Talvez você tenha que pedir ajuda e pesquisar bastante para realmente curtir a obra na sua grandeza peculiar. Ótimo!

Está dando o horário do jogo terminar e você para de ler porque está preocupado. 
Como vai apresentar a conta dos livros?  Saiu muito mais que o ingresso do jogo.

Ok. Você fará mais uma negociação: dirá a ele que não fará as unhas esta semana e começa a cruzar os dedos para que tudo dê certo e para esconder as cutículas que já crescem animadas e oferecidas.

Seu marido sai do jogo mais verde do que quando entrou. 
Agora é o verde da fome e você aproveita a aflição do estômago e já conta tudo.

Ele mal presta atenção. Quer um lugar para jantar. E depois do jantar está felizão porque o time ganhou e está de barriguinha cheia!
Ufa!

Já no carro, no caminho de volta para casa, ele pergunta: mas precisava comprar os 3 livros? Você não vai ler um de cada vez?
Você está distraído com um dos livros; não responde e aumenta o rádio. 
Está tocando "sweet dreams are made of this...Who I'am to desagree..."

Ele jamais vai entender que você pre-ci-sa-va dos 3.



Um comentário:

  1. Hahahahahaha Como eu me divirto por essas bandas da Internet. Fiquei feliz em saber que comprou A Odisseia da CosacNaify. Realmente a outra edição é muito mais cara, porém eu a comprei com 50% de desconto e para meu aniversário. Outra: sou colecionador e apaixonado pela história. Entendo seu amigo perfeitamente, como também a entendo.

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