sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Há dez anos, com o susto sobre o desastre e as reações mundo afora, escrevi...


Tsunami

28.12.04
Noticiário da manhã – 26.000 mortos
Noticiário da noite – 60.000 mortos
Noticiário do dia seguinte: 71.000 mortos e a contagem continua.
Que triste.

Tsunami: fruto de terremoto gigantesco - 9.1 - na Ásia, em 26/12.
Eixo da Terra alterado.

Ainda não me sinto inclinada para lado algum, mas talvez com o encaixar das coisas...
Será que os astrólogos terão que rever suas previsões?
Tortura também para quem fica vivo.   
Especulações de todo tipo.
Trabalho completo dessa nossa mãe natureza; digo, madrasta natureza, porque nessas alturas ninguém quer tê-la por mãe!!
Overdose de tsunamis.  
Só se fala nisso?!
Ondas gigantescas de pensamentos sobre a catástrofe invadem as cabeças pensantes do mundo todo.
Exatamente um ano depois do terremoto no Irã?!
No mínimo estranho.
Será que daqui em diante, a cada ano, no 26/12, algum lugar do planeta vai estrebuchar?   
Data marcada, todos em alerta!
Sinal de Deus?   De Deuses, para eles.
E talvez o problema seja o plural!  
Ou, talvez, o conceito de paraíso, já que o Irã é bem o oposto das ilhas turísticas e paradisíacas atingidas fortemente.
Relatos de sobreviventes, blogs cheios de fotos, informantes e solidários; editoriais inteiros com o tema.   
Voltaire e Rousseau lembrados por ocasião do abalo de Lisboa; o poema; a discussão filosófica.
Estranho isso tudo.
Não os tsunamis, relatados todo o sempre pela humanidade.
Estranho é a humanidade ficar tão espantada.
Revela uma pontona de orgulho nosso: utilizamos o dedão, construímos e destruímos ao nosso gosto e no que achamos necessário. 
Dominamos. 
Comandamos.
Optamos. 
E agora vem algo que não nos consulta e faz o que quer, do jeito que bem entende.

Mas há tantos tsunamis por aí!!
Gigantescos.  Apavorantes e assassinos, também.
A diferença é que são sorrateiros. 
Alguns sem água! Não usam da velocidade e nem dão, no chacoalhar da terra, um prévio aviso.   
Talvez chacoalhe o céu com muito mais intensidade.  Mas como não vemos, fica por isso mesmo.
Por que ninguém se importa com o tsunami da falta de água potável?  
Esse tsunami mata 2,2 milhões de pessoas, por ano.   
E não estamos falando de gente que vive no deserto e não tem água para beber.   Estamos falando de saneamento básico faltante. 
Talvez se as ondas normais da maré de todo o dia depositassem as 6.000 crianças/dia/mundo que morrem por falta de saneamento básico – água potável e esgoto adequados - em suas praias, mundo afora houvesse alguma mobilização gigantescamente bilionária, como esta de agora. 
A cada dia a costa de um país amanheceria cheia de corpinhos inertes vindos das desgraceiras - frutos dos países das omissões, corrupção etc.
E os tsunamis da ignorância e tradição que fazem centenas de africanas terem suas partes íntimas amputadas? 
Ou as castas indianas que fazem o indivíduo acreditar que tem de viver na condição que nasceu, para cumprir um certo destino e escalar uma estranha cascata social que, sabe-se lá quem foi que inventou e com qual critério.   
Tsunami cultural - não há grupo de ajuda que consiga executar alguma tarefa realmente produtiva?!
E os tsunamis de acidentes automobilísticos que assolam o mundo todo e além de matar, ainda criam uma turma de incapazes e deficientes físicos?
O tsunami da guerra também não mata um monte? 
Ah, mas claro que o espetáculo das guerras atuais, com seus mísseis brilhando nas telas de TVs do mundo todo, desvia a atenção do fato em si.
Está certo que uma onda gigantesca que chega à costa a 500 km/h e mata, em poucos minutos, 70.000 pessoas ao mesmo tempo é estarrecedora.  
Não nego o fato.
Mas acho que nos acostumamos com desgraças bem maiores em termos de dignidade de vida só porque elas são diluídas em diferentes espaços, durante anos, dias, horas.   Não nos pregam susto em apenas alguns segundos, mas são tão devastadoras quanto os tsunamis com água.
Pronto – e aí está mais um pensamento sobre o ocorrido, colaborando para que só se fale nisso! 

Dez. 2004

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Feliz Natal, gente!!


Papai Noel no Brasil


Ele tinha sido avisado pelo Conselho de Papai Noel, entre outros detalhes, para enfeitar-se quase como Carmem Miranda.

-- Ó Noel, lá é um país tropical, abençoado por Deus e bonito NA natureza, mas com uma gente com princípios diferentes.
Você terá que adaptar-se para as entregas dos presentes.

Temendo o calor exagerado, o bom velhinho abandonou a tradicional roupa de Papai Noel feita de tecido grosso e mangas comprimidas.
Vestiu uma sunga vermelha com barrado branco nas pernas e na cintura, confeccionada pela Mamãe Noel, claro.

Sentiu-se meio esquisito mas preferiu isso a Carmem Miranda e lembrou do código de conduta de Papai Noel que dizia claramente para ser discreto na entrega dos presentes e adequado às tradições dos países que visitasse.

Na carruagem, trocou as lanternas que poderiam gerar muito calor por abacaxis, mangas, jacas, maças e folhas de coqueiro e samambaias.
Bem tropical, pensou.

Na primeira entrega, a primeira dificuldade.
Cadê a chaminé?  
Mas logo lembrou-se das instruções  para o Brasil e foi forçar as portas e janelas da forma mais discreta possível.
Sempre tem algum distraído nas famílias e o bom velhinho – meio Tarzan, meio Papai Noel – conseguiu entrar em várias casas.

Mas na casa de Raimundo, além de não ter que forçar nada, encontrou o próprio Raimundo sentado em frente ao fogão à lenha, tomando uma branquinha.

Vendo o estranho maltrapilho que adentrava, Raimundo gritou para a mulher: corre, traz uma comida e uns panos pra cobrir um pobre coitado que chegou da estrada! Temos pouco mas podemos dividir, viu moço. Peraí.

E Papai Noel saiu com uns panos cobrindo o corpo, uma cabra e dois cocos. 
O velhinho não teve muita chance de se explicar, mas conseguiu entregar os sacos de presente que foram colocados de lado – a atenção do casal era para a penúria dele.

Cinco casas, quatro cabras, dois sacos de macaxeira e vários comentários sobre sua pele pálida depois, Papai Noel achou melhor vestir a roupa tradicional para não ser mal interpretado novamente.

Suava em bicas e questionava os costumes - coisas do tipo...Esse pessoal não dorme? Diferente mesmo esse país!

Decidido a não provocar mais estranhezas, passou uma meleca escura no rosto para ficar mais moreninho e não parecer doente como disseram.

A próxima entrega é em casa muito grande, com chaminé. 
Achou que desta vez o trabalho seria mais fácil e foi escorregando suavemente até a lareira.
Mas, para variar, tinha gente acordada na sala.
Cumprimentou o menino que deu uns passos para trás e gritou:

-- Mãe, traz o saco de dinheiro que o homem chegou.

Noel não entendeu o comentário da mulher sobre ser mais discreto na roupa, que assim todo mundo perceberia a qual partido ele pertencia, sobre petróleo e escândalos, mas escreveu em seu caderninho de viagem:

Brasil - país que pode ser tirado da rota de entregas pois já tem esquemas próprios.

Jogou as mãos para trás, coçou a barba, desejou  mentalmente um feliz natal ao país atípico e partiu.

Ah!
Ao voltar para a carruagem, não encontrou as frutas que a enfeitavam.  
Pensou que talvez os animais da redondeza as tivessem comido.
Nem percebeu os flanelinhas.









quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

E é quase Natal!



Embrulhos

Em época de Natal as pessoas carregam embrulhos estranhos pelas ruas de São Paulo.
Tanto faz se é gente abastada ou mais modesta.
Pacotes de todos os tamanhos, formatos e cores desfilam nas ruas, entalam nos carros, são forçados para dentro de trens, ônibus e metrôs lotados.
Ou seguem nos ombros mesmo.
Academia grátis: caminhada e peso.

As poses das pessoas são estranhas também.
Contorcionistas nada treinados tentam sustentar no muque, nas costas e na cabeça, os tais embrulhos.  Todo mundo meio torto.

Já vi gente carregando muita coisa esquisita pelas ruas do centro: caranguejos azuis  enormes, vivos; galinhas amarradas pelos pés – feito um varal ambulante; macas sem doentes; postes de jardins.

Próximo ao Natal as compras aumentam e imagino que essas e outras coisas estão agora embrulhadas em papéis alegres e brilhantes.
Cada um dá de presente o que quer, não é?  Um festival de mistérios natalinos.

Outro dia encontrei um senhor carregando o que parecia ser uma cruz enorme.
Nada de cruz subjetiva, daquelas que - dizem por aí - todo mundo tem uma para carregar nessa vida.
Era concreta, mais alta que o homem que a carregava e, apesar de eu não ter certeza se era uma cruz e nem de qual material era feito, afirmo que o formato era de uma cruz - dessas que a gente vê nas igrejas.
E pela cara do sujeito – meio de dor, meio de orgulho – era uma cruz pesada, de madeira ou ferro. Isopor ou papelão é que não era.

O estranhamento das pessoas era geral: vi gente se benzendo e fazendo o sinal da cruz, ao passar pelo homem.
Ouvi gente dizendo: Cruz! Credo!
Alguns se esbarravam na tentativa de andar e olhar o homem por mais tempo.

Quebrei a cabeça imaginando o que aquilo poderia ser além da suposta cruz.
Não achei nada muito razoável.  
Canos e conexões? 
Ninguém sai por aí carregando o futuro encanamento, já montado. Sai? E também não conheço cano achatado. Mas pode até existir, claro.

O fato é que parecia ser uma cruz.
E se era uma cruz, que diabos fazia o homem, no centro da cidade, com uma cruz embrulhada para presente em vésperas de Natal?
Não me parece de muito bom gosto comemorar o nascimento de alguém dando o símbolo da morte deste mesmo alguém.   
Quem sabe a ideia é presentear a paróquia, o padre? O fabricante não faz entregas?
Vai ver o homem se atrapalhou nas datas.

O que será que eu faria se ganhasse uma cruz? Dependeria de quem desse? Talvez.

Penitência também não parecia ser porque não estava nas costas do homem e penitentes não costumam embrulhar suas cruzes em papel decorado com motivos natalinos.  Mas poderia ser. Tem tanto maluco por aí!

Será que ele pretende torturar alguém que o aporrinhou o ano todo? 
Um presente para o inimigo! 
Há gosto para tudo.  E lamento, também!!

Pensei na possibilidade do cara simplesmente ter uma cruz decorativa em casa:  tamanho original! Feita sob encomenda, com furos e tudo!
Na casa deste homem, entra uma visita e ele, depois de servir um café, convida: Venha ver minha cruz!
A visita, na tentativa de dissimular o susto ao ver a cruz plantada na sala, pergunta: E o cara que estava aí, pregado – já foi?  Queria conhecê-lo!

Quem sabe o homem só queria deixar gente xereta como eu, intrigada.
Vai saber...

Marcela Yoneda

E meu dia tem:
 
Música: Ghostwriter - RJD2 - Deadringer
Pensamento recorrente: bambolê
Cor da unha: natural


terça-feira, 18 de novembro de 2014

Homenagem a Manoel de Barros



"A maior riqueza do homem
 é sua incompletude.
 Neste ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito. 

Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra o pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápís,
que viu a uva etc etc

Perdoai mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas."

Manoel de Barros

Olá!


Neste espaço postarei reflexões, crônicas, contos e comentários.

Com relação aos contos e crônicas, compartilho a declaração de nosso poeta Manoel de Barros: 

"Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira"