quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Preguiça




Quarta feira de cinzas é o dia da preguiça.

Para quem pulou o carnaval é dia de bateria zerada – pura falta de energia.
Para católicos é dia de jejum e início da quaresma.
Para os que gostam é dia de futebol na TV.
E para quem não está nem aí com marcos da sociedade é dia que só a parte da tarde existe. 
A parte da manhã pertence aos deuses do descanso, do sono e da preguiça – último pedacinho do feriadão.

Preguiça é total falta de ânimo, tremenda má vontade em executar qualquer tarefa, seja mental ou física e é bem diferente de cansaço.
É languidez igual ao olhar da moça do comercial em outdoor que vende tecidos luxuosos (ela deve saber alguma coisa que não sei – o olhar dela diz isso abertamente).

É espreguiçar alongado, bocejar barulhento, o deixar para depois. Um depois que só Deus sabe quando será.

Preguiça é não querer sair da inércia e você só percebe o movimento do qual não quer sair se este for o não movimento, o não fazer algo. Porque é difícil engatar a primeira para qualquer coisa que não seja o deixar-se ficar largado.

E depois que se é pego por ela, terrível sair.

O sofá e a cama passam a ser pedacinhos do paraíso aqui na terra.
O lixo transbordando é coisa mundana e comer é coisa primitiva – deve ser feito da forma mais prática, rápida e embalada possível.

O coitado do bicho de mesmo nome leva o estereótipo ao máximo, mas talvez seja injustiça termos dado esse nome ao animal. (ou fomos nós que pegamos o nome dele para determinar o nosso estado quase letárgico?).

Designado por Deus a viver em eterno slow motion é resignado com o que lhe foi dado, assim como um boi é resignado na condição de se manter a vida toda pensando e ruminando e o ser que habita o meu cachorro é resignado na condição de prisioneiro daquele corpo que não lhe permite falar.

Escreveu Veríssimo em crônica brilhante e homônima: “a preguiça não quer nem saber.” Não se importa se virou símbolo de uma condição humana.

E antes que a preguiça me domine vou parando por aqui.

As tarefas clamam por providência e eu preciso resistir à moleza que já chegou. 
Ela é prima irmã da preguiça. Tão perigosa quanto. Talvez o início de tudo!

Um comentário:

  1. Ixe, Marcela, sou capaz de apostar que você andou observando o apartamento e a pele que habito, como quem vê peixinhos no aquário, para escrever essa crônica sobre a preguiça. Nesse caso, eu era o peixe morto, boiando. A Quarta-feira de Cinzas é mesmo propícia à preguiça e à moleza. Acho que é coisa intrínseca às transições de estado. Newton criou o conceito de inércia para descrever esse fenômeno universal. Parabéns pelo texto, agudo e fino como sempre. Não deu preguiça nenhuma de ler. Ah, a crônica que você mandou para o e-mail do Palavra de Literatura já está publicada lá no blog. Obrigado de novo!

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