sábado, 31 de janeiro de 2015

Filas



Detesto filas.
Aliás, não conheço alguém que goste.


Além de nos deixar impotentes na espera, fazem a gente pensar na morte da bezerra, ouvir as conversas ao redor, lembrar que temos pés e circulação sanguínea, tatear a vida em pensamentos soltos e embaralhados até a gente parar de dar voltas em volta da lâmpada e constatar a ridícula situação em que está.
Um devaneio que termina no fim da fila.

Para agravar a situação, como um enfeite de mal gosto numa cena dantesca, reparem nos milhares de sons que invadem seu cérebro, do nada, sem pedir licença alguma enquanto se está numa fila.
Apitos, assovios, músicas de todos os estilos e gostos compõem os alertas e toques de celulares, joguinhos eletrônicos, bips, mensagens e afins.


E tem sempre o distraído com o celular morrendo de esgoelar o toque infernal:  “Papai! Me atende... Papai! Me atende!... Papai!  Me atende, PORRA!” num crescer de volume de dar calafrios na Gloria Kalil.  
Mas como papai está tagarelando com alguém que ele acabou de conhecer na fila – estão reclamando da fila, claro! – então o papai-porra não ouve o seu próprio celular e fica olhando para os lados, incomodado com o som que pensa ser do aparelho de qualquer outra pessoa, menos o dele.


Chega a comentar com o desconhecido – agora quase amigo íntimo – que algum bobo está com o telefone tocando feito louco.
O desconhecido sorri amarelo, verifica todos os apetrechos eletrônicos que está carregando para se certificar de que não é nada dele e volta a prestar atenção na conversa.

O celular para de chamar o papai distraído. Ninguém por perto atendeu celular algum, então parece que o filhinho gritão desistiu. 
Deve estar ligando no celular da mãe, cujo toque deve ser “Mãe! me atende... Mãe, me atende, vai!  Mãe, me atende porque já tentei o PORRA do papai e ele não atendeu!!”  

Posso imaginar a cara de apavorada da mãe naqueles zilhézimos de segundos, tentando entender o que está ocorrendo, enquanto procura o celular na bolsa gigantesca – é o meu? Papai não atendeu? É meu filho! Que será que aconteceu?

Algum dia ainda veremos manchetes do tipo “mãe recebe ligação em celular e morre”.  No corpo da matéria a simples explicação de ela ter assustado com o toque de seu próprio celular e infartado.

E claro, a fila não anda.

Os jetsons – aquele desenho animado que mostra o dia-a-dia de uma família do futuro – tinha resolvido o problema de espera em filas: todos sentados em banquinhos que andavam conforme o lugar seguinte ia vagando. 
Percebem os detalhes?  bancos; sentados. São os bancos que andam.
Cadê? Já não estamos no futuro?
Não adianta pensar que se tivesse escolhido a fila ao lado teria sido melhor. É ilusão. 
A que você escolher será sempre a mais lerda. Se você trocar porque a outra está andando, com certeza ela também vai empacar.
Natural.  A grama do vizinho sempre parece mais verde, mas é igualzinha a sua.
A fila também.

O tal celular do pai bocó começou a tocar novamente.  Todo mundo olha para o lado de onde vem o som, mas agora o pai já está embalado numa conversa de rodinha – várias pessoas participam de uma tagarelice animada. E o PORRA do pai não atende o diacho do telefone.

Talvez alguém devesse avisá-lo sobre seu celular, mas parece que há um certo sadismo no ar. Talvez indiferença seja a palavra mais adequada.
Cabecinhas pensando “cada um tem o filho/pai que merece”.

Mas o toque do celular é opcional, né gente?! E o volume dele também!

Estou quase lá. A fila andou um pouco. Atendimento demorado, mas parece simpático.

Falta só mais um pouco para eu sair do circo dos horrores – agora moderno e informatizado, quem diria!

Alguém resolveu avisar o infeliz do pai sobre as chamadas e ele está falando ao telefone... Ligou? 5 vezes? Não!! Deixa eu ver.  Ah, foi mesmo.  Ué? Será que está no silencioso?  É?    Fala, filho! Que foi?!!

Os balõezinhos de comentários acima das cabeças das pessoas têm aqueles símbolos impronunciáveis.  Então deixa pra lá.
 
Chegou minha vez de ser atendida!
Mas sabe? 
Já não lembro mais o que fui fazer ali.
Peço para a atendente me dar um tempo para lembrar qual era o meu assunto.  Mas a careta dela me provoca um impulso incontrolável e eu digo que fui lá reclamar da fila.  

A careta dela piora e eu explico que só estou ganhando um tempo para lembrar de

verdade, porque depois de quase uma hora, em pé, vendo aquele mundo doido desfilar na minha frente, esqueci o que fui fazer. 
A atendente parece uma caricatura da estranheza, personificada.

Ah!  Lembrei!  Você pode me ajudar a configurar o toque do meu celular? – não está tocando, só vibrando. Acho que está com defeito.
Será?







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