quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Caminhando e pensando

Lendo sobre as manifestações de ontem, no Tatuapé, por passagens de ônibus mais baratas, lembrei das de 2013 e conto para vocês o que me aconteceu em uma das primeiras passeatas:


E lá ia eu novamente andando pelo centro da cidade de São Paulo. Noite fria e com garoa.
                                                                                                                              
Desta vez coloquei só 1 fone.  Um só ouvido ocupado porque preciso ouvir o que se passa ao redor.

É dia de manifestação na cidade. Pelo preço da passagem, pela mobilidade, por isso e a
quilo.

Acabei de sair do trabalho e pretendo voltar para casa.
São tantos pontos de manifestações pipocando ao mesmo tempo que preciso traçar estratégias e escolher caminhos. Tenho que atravessar a cidade.

Bem ao fundo ouço o coro dos manifestantes cantando o hino nacional.
Peito fica cheio mas ainda não sei se os quero como representantes.

Quem são eles? O que querem? E por que me defendem? 
Defendem? Sou usuária de ônibus, carro, trem etc.

Acho que neste momento todo mundo está questionando esses aspectos numa tentativa de entendimento e assimilação dos fatos. Não está?

O raciocínio, por enquanto é simplista e simplório para mim: se for para quebrar tudo na cidade não precisa me representar. Tiro meu apoio emocional e social.

Por causa deles, hoje, tenho que caminhar mais do que o normal para chegar ao terminal de ônibus. 

E não estou sozinha. 
Caminhamos em bando, protegidos pela polícia civil.

A senhorinha que vai à minha frente na calçada anda com passinhos típicos de gente bem idosa, arrastando o pé e carrega no colo uma cachorrinha bem peluda, branquinha, com laços de fitas de cor rosa pregados nas orelhas e na fronte. Uma graça!
Faço careta para a cachorrinha que mexe as orelhas.

Estou com vontade de cantar -  e bem alto - o hino.  Mas estou na multidão que anda fora da rota das manifestações. Todo mundo quieto.

Os manifestantes estão em frente ao Teatro Municipal e estou chegando à rua 7 de Abril.
Andamos a passo de tartaruga agora. 
A polícia vai à frente marchando. 

O chão está escorregadio e nossa turma faz um silêncio mortal.
Passos lentos e arrastados.

Continuo atrás da senhorinha que carrega a cachorra. E a cachorra não para de me olhar – por falta de paisagem melhor, eu sei, e porque já mostrei a língua, levantei as sobrancelhas, fiquei vesga, pisquei e acenei para brincar com ela.

Claro que a cachorra sempre reagiu da mesma forma, mexendo as orelhas em direções diferentes conforme a estranheza às minhas micagens.

Me senti meio boba, sim, se é o que vocês estão pensando.
Além de colocar o pronome no lugar errado do pensamento e do texto, fiquei pensando: quer situação mais tola?

Estou na chuva fina, com o peito cantando o hino nacional, mas estou muda.

Não posso ultrapassar ninguém porque a polícia, supostamente, nos guarda da confusão e mantém um cordão humano logo à frente.

Não estou na multidão de manifestantes que carregam cartazes, só tenho pensamentos. 

Não tenho grito de guerra, só vontade de gritar. 

Normalmente não tenho mobilidade com veículos e, neste momento, nem a pé eu consigo me locomover na cidade.

Nada como fazer caretas para a cachorra de uma desconhecida!!
Distrai. Ajuda o tempo passar.

É só prestar atenção no chão enquanto brinca com a cadelinha. Está molhado demais, e a sujeira faz aquele pastrame escorregadio e estranho virar um sabão.

Lembrei-me do escritor famoso que estava atrás de mim na fila da pipoca do cinema, outro dia.
Querendo ensinar algo de ético, moral e civilizado para seu filho de uns 14, 15 anos, falou um monte na orelha do coitado que só estava interessado nos bumbuns e seios das lindas moças ao redor.

O sujeito até tinha razão. O problema foi o formato do ensinamento: o discurso. Hormônios costumam ensurdecer e dar brotoejas na pele de adolescentes quando os pais falam sem parar.  Uma alergia da idade!
Pela expressão do garoto, a falação do escritor entrou por um ouvido e saiu pelo outro.

As passeatas e manifestações talvez tenham o mesmo efeito: Nada!  nadica de pitibiribas!! Não somos tão maduros assim na democracia.
Ou somos?! 
Talvez consigam mostrar alguma coisa. 

Estou ficando ensopada, apesar do guarda chuva. O vento faz a garoa fininha vir por todos os lados e a senhorinha mudou a cachorra de ombro.

A cachorra continua me olhando e eu agora tapo o nariz porque há um cheiro estranho no ar e não sei se os gases que a polícia usa têm cheiro ou não. 
Cubro o nariz com o cachecol e presto atenção no chão porque chegamos à escada.

Descida para o terminal Bandeira. Escada do metrô está interditada.

A cachorrinha fica agitada – acho que é por causa do cheiro e porque tapei o nariz. Olhos fixos em mim. Levanto a sobrancelhas para ela e desço o primeiro degrau.

O hino nacional está sendo recomeçado e agora parece muito mais perto do que antes.
Desço o segundo degrau e acho que ele está muito pequeno. 
Quem fez essa escada calçava número 20. Não cabe o pé da gente!

Sempre achei esses degraus muito estreitos, mas hoje, especialmente, eles parecem menores e coloco mais um pé para baixo, e mais outro degrau e mais um para baixo, mas não encontro nada e escorrego o pé tentando encontrar um maldito degrau e vou deslizando à procura dele até que... 
Caio deitada no chão mais sujo da cidade.

Eca! Que nojo!

Ainda vejo a cachorra olhando para baixo, tentando escalar o ombro da senhorinha para acompanhar o meu desaparecimento. 
E ainda percebo a dona ajeitando novamente a coitada no ombro. Mas elas se vão.

Tenho certeza que aquela fofurinha usando laços queria avisar alguém que eu havia ficado para trás, estatelada no chão!

Levantei, acompanhei o hino – desta vez com toda a força que pude cantar - e cheguei ao ponto do meu ônibus. Sozinha.

Lotadaço! Cheinho da silva! 
Fila quilométrica e eu tive de esperar um monte para pegar um ônibus que eu conseguisse entrar e que ficou lotado ao longo do caminho.

Minha sorte foi que eu estava bastante molhada e suja – ninguém queria encostar em mim. Até que fui bem acomodada.

Acho que vou começar a me lambuzar com lama antes de tomar uma condução nessa cidade.  Quem sabe não sobem na minha cabeça como tem acontecido quando estou limpinha.

Pensando bem, acho que já sei qual meu posicionamento em relação àquele pessoal da manifestação.
  
Marcela Yoneda 2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário