quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Seção: Reflexões

Hoje é dia mundial da religião e dia nacional de combate a intolerância religiosa.



Liberdade



Confundem liberdade com direito a.
Liberdade é poder escolher.
Direito a fazer alguma coisa é poder ou não executar a ação que você teve o direito de pensar em fazer.

Liberdade tem limite sim. E termina no direito do outro.

Você tem liberdade de andar por aí, mas não pode pisar na cabeça de alguém.

Você tem liberdade de achar alguém horroroso, e tem direito de falar isso por aí.  Mas lembre-se: sua opinião é problema seu. Posso não querer saber nem ouvir.

Você tem liberdade para fazer barulho, mas não pode incomodar ninguém.

Você tem liberdade de escrever, desenhar e pensar o que quiser, e até tem o direito de divulgar qualquer coisa – Mas haverá consequências legais e morais.

Onde é o ponto?
Entre a liberdade e o direito há o respeito.

Respeito é coisinha difícil de delinear: deixar para lá? Segurar-se para não criar encrencas, não ofender? Reconhecer que se fizessem o mesmo para você talvez você não gostasse?
Sim.
Respeito é tudo isso e muito mais.

Respeito não é ser submisso à opinião do outro, nem concordar com ela. Muito menos ter medo de reagir.

Alguns dicionários dão submissão, obediência, medo e temor como significado da palavra respeito porque para muitos o respeito implica nisso tudo por excesso de reverência ao respeitado. O dicionário tem que colocar todas as possibilidades, claro.

Mas na sua origem latina, respeito significava olhar novamente para algo. Ou seja, algo que deveria ser olhado 2 vezes, que merecia atenção e consideração. Implicando em cuidado com o objeto observado, levando a mais uma análise antes de qualquer conclusão, ação ou julgamento.

Pense um pouco e vai descobrir muito sobre respeito.

Porque vejamos algumas situações:

se seu filho sair desenhando um negro narigudo na escola e sair com o papel abanando no meio da sala de aula, esbravejando sobre  “preto narigudo”, será repreendido pela professora que vai ensinar a ele que não se deve brincar com as características físicas de uma pessoa; que foi papai do céu que fez a pessoa assim e então ele deve respeitar o jeitão do outro.

O menino vai se perder na palavra respeito, provavelmente indefinida para ele, mas vai prestar atenção ao fato do papai do céu ter feito alguém daquele jeito.
No mínimo vai achar papai do céu um cara estranho que também tem lápis de cor.  Por que pintou um e não outro? Vai aprender a não dar atenção a certas características das pessoas e sim às pessoas e suas ações e pensamentos.  O conceito de respeito começará a existir e fazer sentindo aos poucos para o pequeno.

Se seu filho der um socão no coleguinha de escola que lhe mordeu o braço, a professora vai repreender os dois.
Por maior ofensa que seja levar a tal mordida, será ensinado aos dois que as mãos servem para coisas bem melhores e os dentes devem morder comidinhas. (mais tarde o garoto vai aprender que com os dentes abrimos tampas de remédios, rasgamos embalagens – sem raivas, só um recurso...E só mais tarde, tá?!!)

Nada justifica agressão.
Muito menos matar quem te ofende.
Isso é orgulho – tão detestável quanto a invasão moral e física - falta de respeito.

Por mais ofensiva que tenha sido a ação em sua direção, matar o ofensor não deve nunca, jamais, ser a opção de solução.

Mas cuidado com sua ação. Ela não pode invadir o direito e a liberdade  do outro ser em nenhum aspecto.

Portanto, não sejamos hipócritas!!!
Liberdade tem limites, sim. 

Ensinamos isso às crianças e depois, adultos, não praticamos numa atitude bem sem vergonha de relaxamento e descuido.

Sejamos coerentes.  Entendemos uma coisa bem depurada e depois praticamos outra, mais grosseira, reativa, sem arestas, quase animal irracional.

E para justificar, trocamos o nome das características:  orgulho por ofensa, direito por liberdade, respeito com direito e liberdade.
Uma maçaroca.

Querem ver como ensinamos uma coisa e praticamos outra?

Lembro que uma vez, num parquinho de areia fora do Brasil, meu sobrinho não queria dividir um brinquedo que era seu com um amiguinho.
Eu e a mãe do tal amiguinho – na verdade não se conheciam, apenas estavam brincando no mesmo parque público – assistindo a cena.
O menino insistia em pegar o brinquedo do meu sobrinho que começou a ficar irritado pois estava brincando com o apetrecho – era um balde de plástico.

A mãe desse menino ficou o tempo todo falando: let’s share para o meu sobrinho, como quem está querendo ensinar que tudo deve ser dividido e assim criariam uma amizade, um vínculo.
Ela dizia: let’s share. He’s your friend.

E eu pensando com meus botões como deveria ser estranho para uma criança aceitar outra, de repente, do nada como amigo e ainda mais dividir suas coisas.

Meu sobrinho, para lá de irritado, acabou dando um empurrão no amiguinho e a mãe ficou muito brava e me olhou muito sério, cobrando uma atitude.  Ela disse algo como “ e então, você não vai fazer nada?” – querendo que eu tomasse uma atitude repreensiva.

Perguntei para ela se ela poderia share o carro dela comigo naquela tarde porque precisaria fazer supermercado e estaria sem o meu.

A mulher me olhou atônita. Estarrecida. Olhos azuis lindos me bombardeando com pontos de interrogação gigantescos. Pareceu que eu lhe pedia a vida.

Perguntou se eu era a babá de meu sobrinho – e aí entra o preconceito: sou morena, estou num país de pessoas com pele clara e meu sobrinho tem a pele quase transparente...Só posso ser a babá sem noção!! 
Ignoro a cutucada racista – porque para ela era só um pensamento lógico (mesmo que eu fosse a babá, não poderia argumentar?!).
É só respirar fundo e não perder o foco, pensei na hora.

Respondo que não. Que sou tia e insisto se ela pode me emprestar o carro naquela tarde, afinal, estávamos ali juntas e poderíamos ser amigas se compartilhássemos as coisas.

Só então a ficha dela caiu.
Sorriu largo, perguntou se eu era argentina e pediu desculpas por ter insistido na estória do brinquedo.

O menino tinha liberdade para tentar pegar o brinquedo?  Tinha.
Tinha direito de pegar o brinquedo?  Não. Só se o dono permitisse.

O respeito à liberdade de não emprestar tinha que ser praticado, mas claro – eram crianças brincando - não saberiam fazer de forma suave.

Não achariam por solução um acordo, um diálogo filosófico ou humanitário.
Não achariam certo uma coisa, nem outra.  Só queriam o bendito balde!!

E aí vem uma adulta que diz uma coisa (até bonita e romântica na visão humanitária) e pratica outra?  
A educação da criança acaba sendo estranha: a mãe diz uma coisa mas no seu dia a dia pratica outra. Crianças percebem essas incoerências, inconscientemente.
Só pode dar confusão mesmo porque não se ensinou o limite.

Tem um humorista preso na França; seu filho não poderia desenhar na escola um papa com uma faca na boca; temos humoristas brasileiros que já foram muito censurados e processados por gente que se sentiu ofendida com brincadeiras deles e uma balança desequilibrada nesse mundo que está usando a religião como peso.

2 pesos e 2 medidas.

Não sejamos crianças. Não sejamos incoerentes.

Respeito é bom,
eu gosto e
pratico.

Espero que pratiquem comigo porque respeito é a margem que delimita a liberdade e o direito a fazer alguma ação para que possamos viver em harmonia.

 Ah! E sobre o balde das crianças... Eu e a mãe do garoto falamos que queríamos brincar também e pedimos o balde; dissemos que não tínhamos com o que brincar.
O balde foi emprestado pelo meu sobrinho e as pás pelo garotinho,  agora quase amigo.
Fizemos castelos que eles iam enfeitando – e desmontando também, crianças que eram.
Mas nós já estamos bem crescidinhos para fazer tanta bobagem, não estamos?



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