Uma
borboleta amarela esbarrou em Rubem Braga em pleno Rio de Janeiro, me lembrei, assim que tudo começou.
O fato
gerou uma crônica simpática e muitos comentários dado o desfecho inusitado. Depois o título foi adotado em um livro seu de contos e crônicas: A borboleta amarela.
Talvez eu
devesse, então, achar normal que uma abelha me atropelasse em plena São Paulo.
Digo atropelar porque ela veio ao meu
encontro de repente, do nada e sem rodeios.
Espantei a dondoca voadora que queria pousar na minha mão, no meu braço, nos cabelos.
Ela desviou,
mas voltou.
Socorro, mestre
Rubem!!!
Borboletas
são delicadas e as cenas narradas sobre elas ficam leves e até românticas.
Abelhas são
outra estória. Têm ferrões.
E de novo lá
vem ela tentando pousar na minha mão.
Amarela
também. Com listras pretas.
Começo a
achar que não é nada normal uma abelha atropelar e cismar com alguém.
Enquanto a
borboleta de Rubem saiu animada visitando a cidade como a conhecê-la e
admirá-la encantando o cronista que a perseguiu em seus volteios, a abelhinha
queria colo, aconchego, um lugar para ficar.
Eu não
usava perfume, não bebia, nem comia, mas
a bendita me fez pensar que mamãe havia passado açúcar em mim.
O espaço
entre encanto e espanto é o estranhamento e é aí que estou.
De onde
surgiu a solitária e por que literalmente quer grudar em mim?
Medo de alguma coisa? Não parecia em alerta.
Eu a teria
perseguido na lembrança do texto, na gostosura do voo e provavelmente teria
sentido que ela me pertencia como Rubem com a borboleta amarela, se ela
rodopiasse ou fizesse uns voos charmosos.
Mas ela
realmente queria aterrissar em mim. Não
conhece a crônica a pequenina – ou poderíamos interpretá-la como uma homenagem ao escritor – versão paulista com adaptação do animal na proporção da dureza da cidade.
Usava o
celular para digitar e deixei que ela pousasse em minha mão para ver o que
faria e ela pareceu apenas inspecionar o local: pele com pigmentos alterados, poucos
pelos, montanhas feitas de veias e artérias, dobrinhas e rugas. Tudo
verificado. Pareceu aprovar.
Continuei
escrevendo no celular e ela lá. Curiosa, tentou andar na tela. Escorregou e
voltou para minha mão.
Ok. Foi
legal o encontro, mas agora
vai passear e descobrir o mundo, vai!! Cadê sua colmeia?
Talvez
abelhas sejam surdas. Não sei.
O fato é
que ela queria ficar em mim. Não era perto, nem ao redor.
Era em mim.
Tudo bem!!
Penso em fingir ser uma flor que brotou no calçadão da cidade.
Flor de
cacto atrai abelhas?
Uma
fruta? Jaca é bem cheirosa.
Os
cientistas dizem que se as abelhas sumirem da face da Terra não teremos mais
alimentos. Elas fazem parte de nossa
cadeia alimentar indiretamente, então tentei ser complacente.
Dois terços
dos alimentos que utilizamos são cultivados com a ajuda das abelhas. Maçãs são assim.
Uso a
lembrança como argumento para ter paciência com a nova companheira que continua
na minha mão, mesmo enquanto digito.
Não se
importa com os pulinhos dos dedos e o rodar do celular que por vezes faço para
enxergar melhor a tela.
Já sei!
Ela
consegue ler o texto e deve estar gostando porque permanece.
Socorro,
Rubem!. Preciso de um desfecho igual ao seu!
Mas parece
que não vai rolar.
Aguardo um
ônibus e estou começando a ficar preocupada.
Como fazer
quando ele chegar? Espanto a coitada e
entro correndo e gritando pro motorista: fecha, fecha, feeechaaa a porta!!
É uma ideia,
mas terei que ser a última a entrar ou a abelhinha vai acabar aproveitando a
entrada dos outros passageiros. Sem contar que o motorista pode achar que minha pressa é
alguma possibilidade de assalto. Seria uma confusão.
Também
posso deixá-la no dedo, fingir que é um anel e levá-la para conhecer meu
bairro.
Bonito lá.
Ela vai gostar, tenho certeza. Muito arborizado.
Mas talvez
não seja uma boa ideia porque se ela resolver voar dentro do ônibus pode
assustar o pessoal.
Que
enrosco!
Como disse
um amigo querido, eu só queria voltar em
paz para casa!! será o título de meu livro de crônicas – se eu um dia o fizer. Tudo acontece nesse momento de retorno, se eu estiver usando os coletivos.
Parece uma
sina!!! Se estou com meu carro, tudo
corre normal, embora muitas vezes eu esqueça onde tenha estacionado e aí são outras encrencas que eu mesma causo.
A mulher
que aguarda o ônibus ao meu lado já tentou espantar a coitada.
Não sei quem
é mais louco. A abelha ousadinha que me adotou ou a mulher que quis tirá-la da
minha mão?
A mão é
minha, dona! Deixo o que quiser nela, penso já com certo ciúme do bichinho.
Agradeço a
tentativa de proteção e fico intrigada com a intromissão.
Pode? E se fosse minha abelha de estimação?
Estou quase
lá.
E o ônibus
vai chegar, avisava meu celular.
E nada da
abelha ir procurar suas semelhantes.
Ando um pouco na calçada, abanando o braço.
Chacoalho a mão.
Dou peteleco.
Ela sai e volta.
Começo a
rir sozinha.
Já estou na
página dois e ela continua em mim. O texto começa a ficar meio atrapalhado.
Que mico!
Se eu
contar, ninguém vai acreditar! Refém de
uma abelha!
E o ônibus
chega e eu fico aflita e dou uma empurrada básica na Grudentilda (É, gente.
Acabei por dar um nome a ela).
Mas acho
que ela não gostou do nome e do empurrão, pois me meteu o ferrão e saiu voando
num zigue-zague amalucado.
Não gritei de
dor, mas devo ter ficado roxa porque o motorista do ônibus viu e arregalou os
olhos perguntando: quer álcool dona? Tenho aqui.
Ô, Rubem!!
Falei que precisa de um desfecho semelhante ao seu.
Valeu, Grudentilda! Foi um prazer doído e inchado te conhecer!!
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