quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Pistas

Quando eu era criança chegava na casa de minha avó materna e ia logo dizendo:
Vovó!  Vou adivinhar o que a senhora comeu hoje!
Claro que ela me olhava com aquele ar de quem acha que a neta é esquisita, mas entrava na brincadeira.

Diz!
Laranja, feijão e bala de café, eu respondia animada.
Acertou! Como você sabe?

Eu tinha aprendido o jogo de adivinhação com minha mãe.
Todas as vezes que minha mãe a encontrava ficava doida com a sujeira acumulada nos óculos, sempre pendurados no pescoço. 
Eram restinhos de coisas que vovó tinha lambiscado ao longo do dia e, na pressa, deixado cair, em migalhas, nas lentes dos óculos.
Ou seja, vovó nunca usava os óculos e ainda por cima era muito distraída e babona!

Ela resolvia o assunto espanando a sujeira, exclamando um “pronto” de quem acha que esse é o menor dos problemas.  As lentes estavam sempre ensebadas e embaçadas.  Mesmo assim ela cozinhava, costurava, fazia tricô e crochê com perfeição.
Concluo que vovó não precisava de óculos e gostava de ter um babador moderno.

Eu acho que meus netos farão a mesma coisa comigo.
A diferença é que ao invés dos óculos, usarão o meu celular, notebook e similares como fornecedores de pistas.

Vovó!  Vou adivinhar o que a senhora fez hoje.
Diz!
A senhora picou papel, fumou, comeu bolo e tirou pó da casa – menos do computador!
Como você sabe?

Ah!  E a senhora fez carne engordurada e depois falou com a minha mãe pelo whats!
E...Vovó! a senhora mexeu com gliter hoje? 

Que esperteza!!!!

Duvido que haja alguém na face desta terra que use esses apetrechos e não os suje.
Impossível!
Você pode até caprichar, lavando sempre as mãos e deixando tudo bem longe de você, por precaução e conhecimento de sua característica desastrada, mas aí vem um amigo ou um parente e pimba!  - goteja alguma coisa, derruba outras ou simplesmente usa os seus apetrechos com as mãos cheias de creme, óleo ou estreptococos in natura mesmo.

E fiquei pensando que se tivermos o fim da humanidade e Ets nos descobrirem daqui a milhões de anos, espero que não encontrem esses equipamentos e os usem como objeto de estudo de comportamentos. Seria uma grande confusão!

A definição deles sobre os equipamentos seria, provavelmente, “algo em que essa espécie desaparecida utilizava para refeições, comunicação e entretenimento já que apertar teclas parece ter sido uma das atividades mais praticadas em suas vidas”.

E tentando aprofundar o assunto, os Ets poderiam concluir: “Pelas evidências encontradas, parece que era uma espécie comilona e solitária, provavelmente com membros atrofiados e cabeças gigantescas. Seus  cérebros ficavam constantemente conectados a esses estranhos aparelhos”.

Ou, com uma previsão de*, em 2019, ter mais aparelhos que gente, a Terra talvez fosse considerada por eles um planeta cuja espécie dominante era a de gulosos aparelhos eletrônicos e, os humanos, apenas seres simbióticos – acoplados e depedentes dos aparelhos que teriam reinado sobre todas as outras espécies.

Um ou outro Et contestaria essa teoria, claro. Mas seriam desconsiderados no meio científico, dadas as evidências encontradas nos vãozinhos dos apetrechos eletrônicos.

  • 2019 haverá 7,6 bilhões de assinaturas de banda larga -  Previsão da Ericsson que supõe o uso de, pelo menos 1 aparelho para cada linha),


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