quinta-feira, 6 de agosto de 2015

O vizinho da frente canta óperas

Da seção "Contações"



De cueca, na varanda do apartamento, o vizinho da frente canta óperas.
Faz apresentações brilhantes o rapaz.
Os amigos dele – sempre vestidos - costumam puxá-lo para dentro do apartamento, mas ele apoia as mãos na grade da varanda e não arreda pé, cantando uma ária inteira.
Se estiver bêbado, canta 2.
Dá para ver que ele está bêbado porque argumenta sua retirada da varanda com dizeres de língua mole e está cambaleante.

Todo mundo sai na janela para vê-lo.  Porque ouvir, a gente ouve até com as janelas fechadas.
Parece jovem. Pulmão de nadador, que canta.
Ao final, o pessoal dos vários prédios ao redor do dele, o aplaude.  Inclusive eu!
Gosto quando ele fica bêbado. Canta muito!!

Outro dia, à noite, estávamos sem luz na rua depois de uma chuva forte e o vizinho, quase-pelado-cantor-de-óperas, resolveu reclamar.
E, claro, ele não foi lá e gritou. Ele cantou como um barítono: “Dilma, devolve minha luz!  Diiiilmaaaa!  Devolve minha luuuuz!!!”  Ao que alguém, de outro prédio, respondeu no mesmo tom...”e meu dinheiro”... e outro completou “e minha paciência”.
Atitudes espontâneas, pipocadas aqui e ali por gente pensante e bem humorada me divertem.

Minha rua é, na verdade, uma alameda – mão única, muito arborizada e bem silenciosa.
À noite ouve-se todos os fluídos do seu corpo se movimentando nas cachoeiras que ligam estômago, rins, baço,  intestino. Fico imaginando a trajetória. 
Se você for asmático dormirá com um gato ronronando dentro de você.
Uma delícia de rua.  Sem barulhos de carros e motos que costumam passar bem na hora do desfecho do filme que você está assistindo, impedindo que você entenda o final.
Aqui não.  Você amanhece com o bem te vi pai ensinando o bem te vi filho, primos e amigos a cantar.  Os sabiás andam na grama do condomínio e as borboletas amarelas são figurinhas que fugiram da crônica do Rubem Braga e brincam por aqui.

Outro dia foi um rapaz na portaria que fez o show.
Imaginem esse lugar silencioso, mais de 3 da matina de um domingo e um moço que queria porque queria entrar no condomínio para falar com uma tal Bárbara. 

Quem era o moço? Só Deus e a Bárbara sabem, mas pelo desenrolar da apresentação gratuita, ele levou um chutaço da Bárbara e queria voltar a namorá-la. Mas veio pedir a volta durante a madrugada, bêbado, e com pulmão de barítono.
Como o porteiro não permitiu a entrada dele, ele ficou no portão...Contou a ela que ainda a amava, que tinha que entrar, que falaria com os pais dela e toda a lenga a lenga que bêbados costumam falar.

O problema é que ele não falou, ele recitou.  E recitou alto todas as intenções e problemas que tiveram.   Então o vizinho do prédio da frente resolveu aconselhá-lo a ir para casa porque a Bárbara já estava em outra, não o queria mais.

Mas o moço não concordou. Disse que ele estava enganado. 
Nessas alturas o condomínio inteiro estava acordado e gargalhava com o diálogo recitado e tresloucado de um bêbado conversando com um anônimo insone sobre os problemas daquele namoro.

Recitar é uma coisa interessante.  Parece coisa antiga, mas ainda válida e me fez lembrar um tio avô que foi escalado para recitar, numa apresentação escolar, um poema de Raimundo Correia.

Meu tio teve aquele branco que a gente tem quando está falando em público e perde o fio da meada e enroscou bem no início, no verso que era: “... E vai-se a primeira pomba”.
No aperto, ele soltou algumas pombas. Foram-se a segunda, a terceira e a quarta pomba até que a professora conseguiu chegar no pé do palco e cochichou a continuação do poema para desenroscá-lo.
Como quase ninguém sabia o poema, tudo passou despercebido, mas ele gostava de contar a estória para ilustrar que o improviso vale para qualquer ocasião; basta ser criativo.  E, claro, ter um pombal!

Mas voltando ao rapaz da dor de cotovelo, alguém chamou a polícia por causa do barulho e tudo se complicou.
Não porque os guardas levassem o namorado rejeitado num camburão.
É que eles acharam a situação ridícula e não quiseram prendê-lo.  Ao contrário, resolveram confortá-lo e com muito esforço para não gargalhar alto (ouvíamos as risadas abafadas) danaram a conversar.   Podia-se ouvir os conselhos dos guardas e as lamúrias do moço.
Convencidos de que ele tinha razão, os guardas passaram a chamar pela tal Bárbara também:

-- Bárbara!  Ô Bárbara!  Dá uma chance pro rapaz!
    Desce aqui.  Conversa com ele.

-- Te amo, Bárbara! Te amo!! Desce aqui!

Por fim, o condomínio todo resolveu solucionar a situação e passou a fazer coro pedindo que a tal Bárbara descesse para conversar com o ex, afinal de contas todo mundo queria dormir.

Deu certo. Parou o barulho e a confusão. Ninguém sabe se reataram.

A Bárbara mudou-se daqui, o porteiro me contou.  E eu sonhei, naquela noite, com uma moça só de calcinha numa varanda, cantando óperas. Acho que se chamava Bárbara.







Nenhum comentário:

Postar um comentário