quarta-feira, 23 de março de 2016


E eu não podia deixar de registrar...




Shitake




Começava a ter dúvidas se comera shitake ou um cogumelo alucinógeno qualquer na noite anterior.

As nuvens haviam amanhecido com as mãos abanando. O vento, mais misterioso que o normal, insistia em não contar seus segredos. A mulher no ponto de ônibus cheirava a copo plástico mal lavado de liquidificador antigo. O urubu fazia inveja a ela, plainando. Seu cachorro mostrara a plaquinha de nãoacreditoquevaimeabandonaremplenosábado! 

Tudo estranhamente animado e com ares de festa. Deve ser o shitake misturado à expectativa.

Dia especial. Tudo vale para o encontro com amigos marcado na livraria Cultura da av. Paulista.

Alegria, alegria, minha gente! Cada pedra da calçada é sua cúmplice na empreitada e ajuda no passo, alavancando os animados calcanhares.

Shitake dá sempre essa sensação? Pretende comê-los todos os dias dali para frente.

O ônibus tem cara de que carrega baratas de tamanho mini como passageiros clandestinos. Todos confiando que o motorista de unhas compridas e sujas, que cumprimenta cada um que pisa no segundo degrau, os levará ao destino, em segurança. Sorriso matinal carrega carimbo de noite bem ou mal dormida.

E vamo’quevamo! Detesta essa frase, mas hoje até ela cabe.

Para o encontro, leva na bolsa o cartão de natal que comprara no final do ano anterior. Nunca o enviara porque às vésperas das festas não achou o endereço do destinatário.  Guardou tão bem guardadinho o bendito envelope com o endereço que só o encontrou no carnaval. Já não faz sentido. Mas leva para mostrar que se lembrou dele na ocasião.

Bobagem. Não fará sentido para o amigo que deixará de ser virtual. Será flesh e osso!

Precisa lembrar que a barba foi tirada e deve procurar por alguém de rosto sem pelos. 

Um livro, um rosto. Rosto com barba.
Não.
Rosto feminino.
Não.
Livros.
Rosto com barba.
Rosto sem barba.
Livro.
Rosto semibarbado interessado em livro.

Achei!!!!  Grita no coração, mas hesita na ação! Vai que não é o amigo virtual e ela abraça um desconhecido qualquer despejando o carinho que guardou no baldinho do coração!

Shitake mexe até com as pupilas?
Mas não altera o abraço, o reconhecimento, a confirmação e a gostosura do encontro.

Café, conversa rápida. Um tatear a identificação, a afinidade que se presumia sabida e comum aos três, agora confirmada.

Ela, na verdade, é uma intrusa que ficará uns 15 minutinhos para falar um oi e olhar no olhinho do amigo querido que visita a cidade no final de semana.  Um encaixe na agenda.
De embrulho, ganha a amiga do encontro do amigo.

Pouco tempo, muito a ouvir e a falar. Uma delícia de encontro.
Não poderia ser diferente: ele é um gentleman. A amiga dele, a delicadeza em pessoa.

Sente que dentro dela todas as falas são em capsLk, todos os gestos em slow motion. Sabe que é por aí que a agulha da vida vai alinhavando uma colcha mágica de contatos e amizades.

Mas já é hora de ir. Tem compromisso. 

queroficar explícito numa perna indo e outra fincada no chão querendo não se despedir chega a ser infantil, mas é tão verdadeiro!

E tchau!

Ela não sabia, mas saiu como coelho da Alice, meio Amèlie Poulain, meio passarinho novinho na palma da mão... Que delícia!

Ah! E acabou por esquecer-se de entregar o cartão que levara.

É... O encontro foi especial mesmo. Não adianta botar a culpa nos cogumelos de ontem à noite, pensa já no metrô.





Obrigada Ramon (No Insta: Palavra de Literatura e http://palavradeliteratura.blogspot.com.br/) e Thais (Literaturanews – no Insta) pelo encontro tão gostoso. 
Que possamos nos reunir mais vezes!


Um comentário:

  1. Que delícia de momento! Mesmo que rapidamente, deve ser delicioso ver finalmente, que aquela pessoa com a qual vc se relaciona à distância, tem cabeça,tronco e membros,como todo mundo, mas faz parte de um mundo especial, que só a afinidade de almas pode definir...
    Muito gostoso deve ter sido o momento;e,se houve a influência do shitake, daqui prá frente eu trataria de comer muito mais desse delicioso cogumelo! rsrs

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